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HERMENÊUTICA DA URBE: PRELIMINARES Excertos de texto de 1973. Trechos de aulas do curso "Música e Evolução Urbana de São Paulo" optativo da disciplina "Fundamentos da Expressão e das Comunicações Humanas" da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo. O texto foi baseado em trabalho realizado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1969.
Observações necessárias: A questão da análise urbana e de processos urbanos ocupa papel importante nos trabalhos da Academia Brasil-Europa e institutos a ela integrados. Em vários eventos e projetos tem-se discutido problemas teóricos e metodológicos de possíveis abordagens analíticas. Os trabalhos desenvolvem-se sob uma perspectiva interdisciplinar e intercultural. A A.B.E. considera o processo urbanizador como de fundamental significado para os estudos culturais. Questões relativas à análise em geral, que se levantam nas diversas áreas do conhecimento, veem sendo refletidas também nas tentativas de análises de processos urbanos. Entre as questões da atualidade, salientam-se aquelas relativas a problemas teóricos de abordagens hermenêuticas, de sua críticae de sua validade. Constata-se, em várias áreas do conhecimento, tentativas de revisão de posições hermenêuticas, sobretudo no âmbito do debate pós-estruturalista e pós-moderno. Tem-se discutido, porém, no âmbito de trabalhos da A.B.E., que, relativamente a determinados fenômenos e processos culturais, sobretudo àqueles inseridos indubitavelmente em concepções de fundamentação ontológica, enfoques analíticos diferenciados de conteúdo, de sentido e de estruturas permanecem válidos e necessários. As discussões desenvolvidas nas últimas décadas no âmbito da A.B.E. tiveram como ponto de partida trabalhos mais antigos. A consideração dessas reflexões do passado surge como pressuposto para a compreensão do desenvolvimento dos debates que se seguiram. A A.B.E. considera, por princípio, que os estudos culturais devem ser desenvolvidos em estreita relação com estudos histórico-científicos e das respectivas rêdes sociais do trabalho científico (science of science). O próprio desenvolvimento do pensamento é visto como expressão cultural Por esse razão, coloca-se à disposição textos mais antigos nesta página da organização. Deve-se salientar que, sob alguns aspectos, posições, reflexões e abordagens teóricas expostas nestes trabalhos foram modificadas no decorrer dos anos e não teriam sido mais assim expressas pelo autor. No sentido dessa ressalva, os textos apresentados devem ser vistos como documentos já históricos do estado e do teor do pensamentos no início da década de 70. Podem servir, também, para que idéias não se repitam no debate atual, o que sempre prejudica o desenvolvimento dos estudos culturais. Antonio Alexandre Bispo
Observações necessárias: A questão da análise urbana e de processos urbanos ocupa papel importante nos trabalhos da Academia Brasil-Europa e institutos a ela integrados. Em vários eventos e projetos tem-se discutido problemas teóricos e metodológicos de possíveis abordagens analíticas. Os trabalhos desenvolvem-se sob uma perspectiva interdisciplinar e intercultural.
A A.B.E. considera o processo urbanizador como de fundamental significado para os estudos culturais. Questões relativas à análise em geral, que se levantam nas diversas áreas do conhecimento, veem sendo refletidas também nas tentativas de análises de processos urbanos.
Entre as questões da atualidade, salientam-se aquelas relativas a problemas teóricos de abordagens hermenêuticas, de sua críticae de sua validade.
Constata-se, em várias áreas do conhecimento, tentativas de revisão de posições hermenêuticas, sobretudo no âmbito do debate pós-estruturalista e pós-moderno. Tem-se discutido, porém, no âmbito de trabalhos da A.B.E., que, relativamente a determinados fenômenos e processos culturais, sobretudo àqueles inseridos indubitavelmente em concepções de fundamentação ontológica, enfoques analíticos diferenciados de conteúdo, de sentido e de estruturas permanecem válidos e necessários.
As discussões desenvolvidas nas últimas décadas no âmbito da A.B.E. tiveram como ponto de partida trabalhos mais antigos. A consideração dessas reflexões do passado surge como pressuposto para a compreensão do desenvolvimento dos debates que se seguiram.
A A.B.E. considera, por princípio, que os estudos culturais devem ser desenvolvidos em estreita relação com estudos histórico-científicos e das respectivas rêdes sociais do trabalho científico (science of science). O próprio desenvolvimento do pensamento é visto como expressão cultural
Por esse razão, coloca-se à disposição textos mais antigos nesta página da organização. Deve-se salientar que, sob alguns aspectos, posições, reflexões e abordagens teóricas expostas nestes trabalhos foram modificadas no decorrer dos anos e não teriam sido mais assim expressas pelo autor.
No sentido dessa ressalva, os textos apresentados devem ser vistos como documentos já históricos do estado e do teor do pensamentos no início da década de 70. Podem servir, também, para que idéias não se repitam no debate atual, o que sempre prejudica o desenvolvimento dos estudos culturais.
Leitura da cidade: questões de significado e interpretação
(...)
A discussão a respeito da "leitura" da cidade nos estudos de Arquitetura e Urbanismo leva a diversos problemas que dizem também respeito à música. Essa discussão, relacionando semiologia e urbanismo, tem-se baseado sobretudo em escritos de Roland Barthes e nas suas reflexões relativas a símbolos da cultura de massa. Vamos hoje e nas próximas aulas, porém, tratar do assunto sob outro ângulo. A análise dos sinais, signos e símbolos da leitura da urbe exige que nos ocupemos com o significado dos espaços urbanos e dos edifícios, o que nos leva ao problema da hermenêutica da cidade. Na verdade, tudo indica que o homem médio de nossas ruas não toma conhecimento consciente do edifício ou do traço urbano como tais. Parece que não atenta à arquitetura em separado e, quando o faz, é pela indução extremamente óbvia ou pela agudeza, dominância ou o seu valor cultural, ou seja, o seu significado. A análise por assim dizer gramatical, sintática e formal não é suficiente, mesmo utilizando-se de procedimentos análogos à análise de textos e da música. Temos que tentar fazer uma análise de conteúdo. Não se trata, aqui, de forma alguma, de uma interpretação subjetiva, arbitrária, o que constatamos usualmente na literatura ou em textos de canções. A esse nível de uma Hermenêutica arbitrária não podemos descer. Seria como se fantasiássemos ou referíssemos a respeito de nossas sensações perante uma obra de arte. Há, porém, obras musicais que possuem um programa ou que foram criadas com um determinado sentido ou utilizam-se de textos ou símbolos, de forma que é muito bem possível fazer-se uma análise hermenêutica, apesar de todas as dificuldades. Há, também, uma simbologia nas expressões da cultura transmitida pela tradição, como sabemos, o que também permite uma análise hermenêutica. Salientamos, portanto: o que vamos tentar fazer é uma análise de conteúdo, de significados, evitando, na medida das possibilidades, interpretações arbitrárias!
Percepções da urbe e análise
(...) Se os edifícios e os espaços arquitetônicos não são, na sua maioria, percebidos conscientemente como tais pelos moradores da cidade, imersos no burburinho da vida, exercem a sua maior ação de forma inconsciente sobre o indivíduo, moldando o seu comportamento nos fundamentos da sua subconsciência. O indivíduo dirige a sua atenção muito mais ao mundo que o rodeia. E o mundo que o cerca, entendamos, é um mundo muito próximo tactilmente e cheio de significado. É o mundo que lhe traz novidades, objetivos de viver, e é composto, em grande parte, de elementos não-fixos, substituíveis, variáveis e de vida relativamente curta. Não nos assustemos, portanto, se somos obrigados, na análise hermenêutica da urbe, a nos dedicarmos a elementos que, à primeira vista, parecem ser secundários na sua importância.
Aguçamento da capacidade perceptiva e relevância prática Esta tentativa de análise tem um valor prático. É necessário, fundamental, acuidar a sensibilidade, aumentar a capacidade de percepção da cidade, detectar os condicionamentos subliminares a que o homem está sujeito, descobrir no espaço e nos edifícios sentido e significado. Se os nossos administradores tivessem atentado para o significado que os nossos edifícios e espaços possuem para os habitantes e para a urbe no seu todo teriam sido certamente mais cuidadosos nas medidas que muitas vezes tomaram. Fazendo obras apenas a partir de um ponto de vista pragmático, por exemplo para solucionar problemas de trânsito, contribuiram para a descaracterização íntima, profunda, qualitativa de lugares, destruíndo em grande parte o sentido da malha urbana. O homem não pode sentir o lugar em que mora como anônimo. Tem que o sentir como seu. Com a falta de palavra adequada, diríamos que tem que apalpar, saborear, cheirar, ouvir e ver aonde anda e onde vive. É a condição básica de viver no sentido amplo do termo, ou seja, qualitativamente. Para revalorizar qualitativamente áreas degradadas quanto ao conteúdo, todos os meios parecem ser válidos; em certos casos, como o centro da cidade, pode ser que o caminho mais razoável e válido seja o da revalorização histórica. O cuidado a ser tomado consiste em não se fazer História pela História, reconstruindo-a como um museu ou monumento, mas sim reforçar os liames ainda existentes. Não basta, é claro, o estudo exclusivo do centro da cidade. Se existe um ponto no qual o homem deve ter a sensação de propriedade, esse ponto é ao redor de sua casa. Para a tomada de medidas, porém, tanto com relação ao centro histórico, como com relação ao espaço envolvente nos bairros de moradia, torna-se necessário, inicialmente, que se realize uma análise hermenêutica.
Dificuldades: complexidade de relações de sentido e fragmentações O difícil é, nessa análise, tentar conciliar os múltiplos universos existentes para um enfoque global da cidade. Hoje, São Paulo, por exemplo, é uma somatória de tais universos, mais ou menos independentes entre si. Parece que o homem não consegue possuir culturalmente as dimensões da metrópole. Os seus parâmetros são as esquinas, as vilas, os bairros. O espaço imediatamente envolvente, o "micro-espaço", é o que vive, é o que é captado pela percepção sensorial do povo: as esquinas, os cantos, os becos atravancados, enriquecidos pela cor das propagandas comerciais e das vitrines e que constituem uma espécie de complementação ambiental.
Questões de método: enfoques históricos A percepção do espaço urbano é, a nosso ver, sobretudo decorrência do seu uso e a vida da população se desenvolve a partir da maior ou menor "manuseabilidade" do espaço. Super-dimensionar espaços é o grave problema do ponto de vista qualitativo do projeto. Áreas muito grandes podem fazer sentido do ponto de vista técnico, viário, ou simbólico, pela sua monumentalidade, para o homem público que queira solenizar fatos históricos. Há, porém, sempre o grande perigo de que áreas hiper-dimensionadas percam o seu valor qualitativo para o homem que as utiliza. É, possivelmente, o grande problema de Brasília. Voltaremos a tratar desta questão em tempo oportuno. Neste contexto, queremos apenas salientar que, na análise hermenêutica, devemos tanto dar atenção aos monumentos e áreas monumentais criadas especificamente como símbolos, quanto aos edifícios e espaços não planejados como tais, mais que no contexto local, regional ou global da urbe adquirem significados característicos e valores qualitativos próprios. Se quisermos conhecer mais profundamente as várias perspectivas segundo as quais São Paulo é visto, sentido e entendido, devemos conhecer sobretudo os seus diversos micro-espaços. O sentido desses espaços envolventes é, em grande parte, resultado da função dos edifícios que contornam, delimitam e marcam as respectivas áreas. A construção e a vida dos edifícios, por sua vez, fazem parte de processos históricos. Dessa forma, um dos principais caminhos metodológicos para a análise hermenêutica da urbe é de natureza histórica.
Questões de método: enfoques culturais e etnológicos Há, porém, outros métodos, de natureza sistemática ou de acordo com procedimentos próprios das ciências da cultura popular, ou seja, da ciência do folclore e da etnologia.
Questões de método: aproximações sistemáticas Poderíamos, por exemplo, tentar realizar uma análise de conteúdos do ponto de vista sistemático, tentando descobrir regularidades ou até leis que condicionaram ou que condicionam qualitativamente a cidade. Aqui teríamos, por exemplo, os fatos determinados pela topografia e pela situação geográfica em geral. Esses assuntos fazem parte do campo de estudo da Geografia Urbana. A colina central, os rios que a contornavam, as várzeas, os campos, as regiões mais planas e as serras determinaram e determinam a ocupação do homem e o conteúdo e significado de bairros e regiões e São Paulo. O significado de bairros de várzea é, em geral, diverso daquele das regiões mais altas, tais como o espigão da Avenida Paulista. Podemos dar outros exemplos. Tentaremos analisar o centro e as várias regiões e bairros da cidade de acordo com a sua situação topográfica e geográfica. Partimos do centro, considerando a região determinada pelos rios Anhangabaú e Tamanduateí.
(...) Não podemos esquecer, portanto, que também os condicionantes topográficos, climáticos, e aqueles determinados pela vegetação e outros fatores naturais sofreram modificações causadas pelo homem: rios foram aterrados, várzeas saneadas, morros nivelados, etc. Além do mais, há a mudança de conteúdo causada pela ação do homem. Assim, a aprazível Várzea do Carmo, mais tarde Parque D. Pedro II, perdou completamente o seu caráter idílico, o que vale também para o Bráz e os Campos Elíseos. Podemos, portanto, utilizar de procedimentos sistemáticos na análise hermenêutica da urbe? Creio que não só podemos, como também devemos, pois o condicionante natural é essencial e deveria ser, na medida do possível, recuperável onde haja sido totalmente deturpado. Um arruamento que ignore a situação topográfica leva a situações absurdas, como podemos observar em bairros como a Vila Pompéia ou o Sumaré. O método sistemático deve ser, porém, necessáriamente combinado com o proceder historiográfico, pois a ocupação humana é um fato histórico e a ação desenvolvida sobre a natureza, irreversível, deve ser entendida dentro do seu processo através dos tempos.
Publicado parcialmente em BrasilEuropa & Musicologia, ed. H. Hülskath, Köln: ISMPS e.V. 1999, 57-74. ©Todos os direitos reservados
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