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DOCUMENTAÇÃO ICONOGRÁFICO-MUSICAL DA EVOLUÇÃO COSMOPOLITA (1970)
Antonio Alexandre Bispo
Um dos aspectos importantes do estudo histórico da evolução da metrópole é o do surgimento de vida sócio-cultural caracterizada por um cosmopolitismo de idéias e atitudes. A transformação gradual da cidade à metrópole não é apenas um fenômeno de crescimento urbano no sentido superficial do termo. É também e sobretudo um fenômeno cultural. A cidade, antes de transformar-se gradualmente em metrópole, nunca é culturalmente estática, é verdade. Experimenta sempre transformações decorrentes de saída e entrada de habitantes e sofreu a influência de personalidades que trouxeram novos aportes inovadores à cultura. Apesar disso, porém, nas cidades que se transformaram em metrópole, parece ser possível detectar momentos históricos decisivos nesse processo de metamorfose. No caso de São Paulo, esse momento decisivo parece ter sido a década de 70 do século XIX. A cidade até então não tinha sido provinciana no sentido estrito do termo, uma vez que a Faculdade de Direito para ela trazia estudantes de várias partes do país. Na época imediatamente posterior à Guerra do Paraguai, porém, a capital da Província de São Paulo experimentou profundas transformações que se manifestaram na sua feição arquitetônica. Como A. Almeida Prado na sua Crônica de Outrora bem salienta, a segunda metade do século XIX foi marcada na história urbana pela personalidade do Presidente João Teodoro, professor de direito e homem com idéias originais, que, por exemplo, pregava a extensão de direitos jurídicos aos animais. Ele dedicou-se ao embelezamento da cidade, construiu e abriu jardins, traçou e arborizou ruas, levantou a torre cilíndrica em frente à Estação da Luz, conhecida por "Canudo de João Teodoro" e construiu a "Ilha dos Amores" na Várzea do Carmo, ajardinando os barrancos que circundavam o Morro do Carmo. Como Almeida Prado diz, quando alguém voltava de São Paulo a Itú, era submetido sempre às mesmas questões: "Viu a Fonte dos Amores, a Avenida Paulista? Tomou sorvete na Paulicéia? Viu o Canudo do João Teodoro?" Tais transformações arquitetônicas e urbanas da capital de São Paulo foram possibilitadas pelo desenvolvimento econômico proporcionado sobretudo pela cultura do café no interior do Estado. A construção de ferrovias para o transporte do café para o porto de Santos deu à cidade uma posição chave na economia, no comércio, fortalecendo o seu significado político. Os imigrantes europeus trouxeram novos usos e costumes e as condições financeiras da cidade em expansão incentivarm a que artistas e intelectuais ali se fixassem. A historiografia paulista e paulistana tem salientado sobretudo a crescente influência francesa na vida cultural e social de São Paulo em fins do século XIX e início do século XX. Esses estudos se baseiam sobretudo em artigos e anúncios da imprensa, além de conclusões tiradas de pesquisas de dados estatísticos. Um tipo de fonte histórica até hoje não ou muito pouco considerada é o das partituras musicais. No caso de São Paulo, esse tipo de publicações tem uma importância excepcional por diversas razões. Através delas pode-se saber qual o tipo de repertório estrangeiro trazido para São Paulo e ali cultivado. Os agentes desse comércio foram sobretudo estrangeiros que vieram para a cidade e abriaram casas de música e instrumentos. Muitos deles atuavam como professores e músicos. A importância desse tipo de documentação vai ainda mais longe. Houve impressão de música na própria cidade, quase sempre promovida e possibilitada por estrangeiros que atuavam como impressores, compositores, diletantes e professores. Essas peças documentam assim um momento histórico crucial na cosmopolitização de círculos culturalmente influentes na cidade e portante na passagem da cidade à metrópole. Um documento de excepcional valor histórico agora encontrado é uma peça escrita em São Paulo por um professor francês, Louis Bertin, do qual até hoje apenas se conhecia o nome. L. Bertin surge aqui como poeta e compositor. A peça foi impressa nada menos do que pelo idealisador do primeiro Viaduto do Chá em 1877: Jules Victor André Martin (Montiers 1832- São Paulo 1906), fundador da primeira oficina litográfica da Província. Na época da impressão do presente hino mantinha ele um escritório o Largo do Rosário.O mais significativo porém é que essa peça é um hino ao 52° aniversário do Brasil, ou seja, uma canção de natureza patriótica e encomiástica ao imperador escrita para o ano de 1874, época da Guerra do Paraguai. Não é porém um hino escrito em português, o que seria de se esperar, mas sim em francês. Essa peça não teria sido escrita ou pelo menos impressa se o seu compositor pensasse apenas nos círculos estrangeiros de amadores de música da capital. Ela demonstra que havia já um considerável número de musicistas, cantores e talvez até mesmo grupos corais na cidade que cultivavam o francês e o canto em francês. Assim, Louis Bertin ofereceu essa peça à sua aluna, uma senhora de família brasileira mas indicada na tradução francesa do seu nome: Anne Josephine Freire. É possível também que tenha pensado em soldados, uma vez que se trata de canção marcial, ou talvez em agradar o Príncipe d Eu. O texto se refere não apenas à hospitalidade e à beleza do país que recebia o estrangeiro mas também à era de progresso que se abria. O Imperador é denominado orgulho da pátria e mantenedor das liberdades. Na hora da ameça estrangeira o ânimo deveria levantar-se e a nação lutar. "Salut Brésil douce et chère patrie/Du joug lointain tes efants affranchis/Ont retrempé cette male énergie/Qui récelait chaque coeur de tes fils./Les peuples vieux ont leur antique histoire/Echo de temps déja bien loin de nous dans le passé si rayonne leur gloire/Brésiliens l avenir est à nous,/Pour rester nous ne craignons pas la guerre a combattre exerçons nos bras/ Si l étranger convoitait cette terre/ Levons nous tous soyons soldats." "De ce pays l hospitalier rivage/Appellé à nous le pauvre et les proscrits./Notre beau ciel, notre fertile plage/Aux coeurs souffrants offrent de doux abris/Nos sages lois soutiennent l industrie/A tout progrès nous ouvros nos cités.// Notre Empereur, l orgueil de la patrie/Maintient ici toutes les libertés/Ah! si jamais menaçant notre père/L etranger provoquait nos coups/Soyons debout au premier cri de guerre/ Et le ciel combattra pour nous." Do ponto de vista iconográfico esta peça adquire também um valor documental excepcional. A litografia da capa mostra ao primeiro plano instrumentos musicais e armas militares aos pés de uma palmeira que sustenta duas bandeiras imperiais cercadas de ramos de café e fumo, símbolos do desenvolvimento agrícola. Ao fundo vê-se a Várzea do Carmo com a estrada de ferro para Santos e a chaminé de uma indústria. A ferrovia e a nascente indústria são elementos que servem como indícios da atmosfera de exaltação ao progresso que impregna o hino. Eles são porém também documentos das transformações urbanas realizadas no govêrno de João Teodoro Xavier da Matos: a ilha dos amores, o embelezamento do Morro do Carmo, a ligação do Brás com o centro. É muito possível que o Imperador, que visitaria São Paulo em 1876, tivesse tomado conhecimento deste hino.
Trechos de aulas de curso optativo da disciplina "Fundamentos da Expressão e das Comunicações humanas" da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo. As aulas se baseram no trabalho "Análise Ambiental" realizado e apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1969/70. Publicado parcialmente no órgão Correspondência Musicológica 6-4/1990. Köln: ISMPS e.V. ©Todos os direitos reservados
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