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TRANSFORMAÇÃO QUALITATIVA DOS ESPAÇOS URBANOS (1970)
Antonio Alexandre Bispo
Para o estudo do viver qualitativo do espaço urbano e do significado espacial dos vários pontos da cidade na vida de São Paulo do passado dispomos de abundantes subsídios fornecidos pela literatura. Temos aqui uma bibliografia muito diversificada, constituída por relatos de viagens, crônicas, memórias, estudos históricos mais antigos e historiográficos no sentido mais próprio do termo, estudos histórico-culturais e sociológicos. Deve-se considerar, entre outras, as seguintes obras: A. E. Zaluar, Peregrinação pela Província de São Paulo, Koseritz, Imagens do Brasil, Pessanha Póvoa, Annos acadêmicos, Affonso A. de Freitas, Tradições e Reminiscências Paulistanas, A. de Almeida Prado, Crônica de Outrora, Nuto SantAnna, sobretudo São Paulo Histórico e Metrópole, Ernani da Silva Bruno, Histórias e Tradições da Cidade de São Paulo, Afonso de Taunay, História da Cidade de São Paulo no século XVIII, Gabriel Marques, Ruas e Tradições de São Paulo, Antonio Egídio Martins, São Paulo Antigo, R. Joviano Amaral, Os Pretos do Rosário de São Paulo, Florestan Fernandes, Folclore e Mudança Social na Cidade de São Paulo, Antonio Barreto do Amaral, O Bairro de Pinheiros, Maria Helena Petrillo Berardi, O Bairro de Santo Amaro, Maria Celestina Teixeira Mendes Torres, O Bairro do Brás, Silvio Bomtempi, O Bairo da Penha, Firmino Whitaker, São Paulo em 1860-1922, Nestor Goulart, Quadro da Arquitetura no Brasil, Odilon Nogueira de Matos, São Paulo no século XIX, E. Simões de Paula, Contribuição monográfica para o estudo da segunda fundação da cidade de São Paulo, Richard Morse, Formação e desenvolvimento de São Paulo, e o artigo de Emília Nogueira, "Alguns Aspectos das influências francesas em São Paulo na segunda metade do século XIX" em Revista de História XVI, 1953. Valiosos documentos guardam os arquivos de "O Estado de São Paulo", de "O Diário de São Paulo", e o Museu Paulista. Muito útil é também o material doado à FAU/USP pelo arquiteto Francisco de Paula D. de Andrade. Dirigimos a nossa atenção à "São Paulo antiga". É o significado dos espaços e dos edifícios da cidade já desaparecida pela explosão do processo da metropolização que pretendemos estudar. Precisamos lembrar que foi nesse mundo, nessa cidade que se deu a formação da cidade moderna, também do ponto de vista cultural e intelectual. Foi ela a cidade dos personagens de 22, o ambiente que precedeu e no qual em parte decorreu a Semana de Arte Moderna, hoje tão valorizada (até mesmo supra-valorizada!). Mas o que se entende, precisamente, por "São Paulo antigo"? É o cerne da cidade dos primeiros anos de Piratininga, ou a cidade dos bandeirantes? É o São Paulo do século XVIII ou o das primeiras décadas da Faculdade de Direito do século XIX? É o São Paulo do período áureo do café? Ou o do início da industrialização? Sendo o desenvolvimento da urbe um fenômeno de natureza processual e histórica, não podemos, certamente, falar de dois tipos de cidade distintos entre si, de uma urbe do passado e de uma urbe moderna. A expressão hoje corrente de "São Paulo antigo" não pode, portanto, ser vista do ponto de vista histórico propriamente dito, mas sim do da memória, daquilo que é passível de ser recordado ou que permanece vivo na lembrança e da qual a parcela mais velha da população tem "saudades". Esse "São Paulo antigo" parece remontar mais à cidade da passagem do século, que tinha certamente retalhos da urbe colonial, mas que era antes um resultado de desenvolvimentos anteriores originados na decada de 70 do século XIX. Se é na análise histórico-hermenêutica da urbe não tanto a história da cidade, mas sim a memória viva respeitante a seu todo ou a traços de seu passado o que nos interessa em primeiro lugar, então temos aqui um procedimento similar àquele que constatamos ser necessário na pesquisa da nossa vida musical de cunho tradicional, por exemplo das bandas de música. Uma atenção dirigida à memória musical difere porém fundamentalmente da historiografia musical. No primeiro caso, parte.se do presente para o passado, no segundo, do passado para o presente. Um se baseia sobretudo em levantamentos da transmissão oral, ou seja, em pesquisas de campo e entrevistas, o outro em documentos de arquivo. Ambos os procedimentos aspiram à objetividade, não podem porém, perder totalmente o seu condicionamento subjetivo. Os dois métodos são de importância, mas seria um êrro se os misturássemos. A Memória Musical foi até hoje pouco considerada, mas ela não é tudo. A História da Música no Brasil, ou melhor a Musicologia Histórica, não pode se resumir ao estudo da Memória Musical. O mesmo vale para a Arquitetura e o Urbanismo. A História da Arquitetura deve ser tratada metodologicamente de forma diversa daquilo que poderíamos chamar de Memória na Arquitetura. No nosso curso, porém, que se ocupa com a análise hermenêutica da cidade de hoje, partimos não da História, mas sim da Memória. Tanto com relação à história da evolução da urbe, como com relação à lembrança que os seus habitantes guardam de parcelas ou da imagem global do seu passado, poderíamos distinguir como ponto de partida duas qualificações distintas: a sacralidade ou a não-sacralidade de edifícios e espaços. Temos aqui, para uma população religiosa, uma diferença fundamental. Podemos constatar esse fato quando vemos, por exemplo, passantes ou passageiros de veículos tirarem o chapéu ou se persignarem ao verem, mesmo ao longe, uma igreja ou cruzeiro. Quais seriam os fundamentos filosóficos ou teológicos de tal distinção? Precisamos partir, aqui, dos vínculos das concepções trinitárias com os conceitos de Tempo, Espaço e Matéria. O Espaço está, neste sentido, ligado à segunda pessoa, ou seja ao Filho. ( ...) Do ponto de vista histórico ou melhor, da memória, deve-se estudar assim a hermenêutica urbana sob dois aspectos: 1) os espaços e edifícios de sentido profano e 2) os espaços e os edifícios de sentido religioso, ou melhor, a questão da espiritualidade do espaço.
Trechos de aulas de curso optativo da disciplina "Fundamentos da Expressão e das Comunicações humanas" da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo. As aulas se baseram em trabalho realizado e apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1969/70. Publicado parcialmente em BrasilEuropa & Musicologia, ed. H. Hülskath, Köln: ISMPS e.V. 1999, 57-74. ©Todos os direitos reservados
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