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PESQUISA E EXECUÇÃO DA MÚSICA ANTIGA NO BRASIL (1970)
Antonio Alexandre Bispo
A música antiga parece que está querendo renascer...Ela desperta interesse geral e é bem recebida pelo público e pela imprensa. Essa popularidade da música antiga entre nós é relativamente recente, e ela continua ainda a ser vista como novidade. Estranho fenômeno: uma música que é denominada de antiga e que surge como algo novo! O que seria, porém, a música que chamamos de antiga? É aquela da Idade Média, da Renascença e do Barroco, talvez também do Pré-Classicismo. Com isso, portanto, nos transportamos por assim dizer para fins do século XVIII e consideramos a música já passada nessa época como sendo "antiga". É uma curiosa perspectiva! O interesse pelo descobrimento da música anterior ao Classicismo não é tão novo no Brasil. Lembramos, por exemplo, da Sociedade Bach de São Paulo, que há tantas décadas vem realizando concertos com obras de compositores da época de Bach e de seus predecessores. O renascer de interesse pela música antiga, no presente, parece indicar uma nova fase no descobrimento desse passado musical. Ela se caracteriza, sobretudo, pelo uso de instrumentos musicais históricos e pela tentativa de interpretar essa música segundo a prática de execução da época. Isso significa descobrir e explorar universos sonoros perdidos, e talvez resida aqui a razão da fascinação que exerce. A história da prática da música antiga entre nós ainda está para ser pesquisada e escrita. Vamos aqui citar apenas alguns dados a respeito do Conjunto Paraphernália. O Paraphernália originou-se de um conjunto de flautas do grêmio Bela Bartok dos Seminários de Música Pró Arte de São Paulo. A sua estréia deu-se em 1968 no Teatro Municipal de São Paulo, acompanhando os "Mestres Cantores". Participou a seguir do Festival de Música Francesa, em 1969, e do Festival de Inverno de Ouro Preto, em 1970. Apresentou-se em numerosos concertos, tais como aqueles promovidos pela Sociedade Nova Difusão Musical no âmbito do "Festival de Outono", em praças públicas de São Paulo, em 1970, ou em cidades do interior de São Paulo e de outros estados, tais como Niterói, Ouro Preto e Mariana, assim como em programas de televisão, destacando-se a TV Cultura/Canal 2 de São Paulo. Quatro de seus componentes, Abel Santos Vargas, Bernardo Toledo Piza, Mechthild Weier e José Carlos de Azevedo Morais Leme estudaram nos Seminários de Música Pró Arte e foram orientados por Paulo Herculano. Mechthild estudou canto com Celina Sampaio. Três deles, Abel, Bernardo e José Carlos estudaram flauta com Ricardo Kanji, Abel e Bernardo fizeram parte do Conjunto Musikantiga, em 1967 e 1968. Aquele que aqui fala formou-se no Conservatório Musical Carlos Gomes e estuda cravo com Helena Holnagel, composição e matérias teóricas com Martin Braunwieser, fundador da Sociedade Bach de São Paulo. Além desses, o conjunto também se apresenta com outros artistas convidados. O Conjuto Paraphernália deve o seu nome a conhecido crítico paulista (Dr. José da Veiga Oliveira). A "parafernália" se refere à coleção diversificada de instrumentos musicais com os seus muitos acessórios, estantes e outros apetrechos com os quais o conjunto se apresenta. O termo pode ser visto também quase que programaticamente, pois sugere de forma apropriada aquilo que mais caracteriza o trabalho do grupo, pois desde a sua estréia o conjunto vem-se especializando na execução de instrumentos antigos. Uma verdadeira "parafernália" constitui também o conjunto complexo das muitas questões teóricas e práticas com as quais os seus elementos se ocupam. Torna-se necessário adquirir instrumentos no Exterior, o que pressupõe a escolha do tipo instrumental, da época, dos construtores, precisa-se aprender a tocá-los, na maior parte dos casos sem a orientação de outros, precisa-se adquirir composições, instrumentá-las de acordo com os meios disponíveis e interpretá-las de forma adequada, pois a escrita do passado fornecia apenas diretrizes gerais, sem descer a detalhes expressivos e dinâmicos. Para isso, tem-se a necessidade de estudo, o que é feito através de livros de história da música, de tratados dos séculos XVI, XVII e XVIII e de gravações. Do repertório do Conjunto Paraphernália fazem parte obras de compositores de diversas regiões da Europa e de diferentes épocas, entre eles , além dos anônimos, Adam de la Halle, Oswald von Wolkenstein, P. Hofheimer, Heinrich Finck, Ludwig Senfl, Orlando de Lasso, Josquin des Prés, Carlo Gesualdo, Clement Janequin, Claude Sermisy, Pierre Certon, Pierre Attaignant, Giovanni Gabrielli, Michael Praetorius, Juan del Encina, Henry Purcell, Antony Holborne, William Brade, Pierre Phalése, John Taverner, Arnold von Bruck, John Dowland, Christopher Tye, William Bird, Johann Hermann Schein, Samuel Scheidt,Johann Christian Schikart, Maurizio Cazzatti, Thomas Simpson, Johannes David Heinichen, Georg Phillip Telemann, Domenico Scarlatti e Joseph Bodin de Boismortier. O Conjunto Paraphernália tem procurado incluir no seu trabalho também obras brasileiras. Nesse campo, porém, o estudo torna-se ainda mais difícil, pelo estado incipiente das nossas pesquisas histórico-musicais. Entre as obras estudadas e apresentadas, salientam-se algumas composições sacras do século XVIII do interior de São Paulo, mais especialmente do Vale do Paraíba. Aqui, porém, tem-se problemas particularmente complexos de prática de execução e interpretação, além de questões relativas à apreciação de valor e às possibilidades de sua revitalização sonora em concertos. Esses problemas também se colocam com relação à música profana do Brasil do passado. Tal é o caso das modinhas do século XVIII e início do XIX. O conjunto Paraphernália inclui no seu repertório, por exemplo, a modinha "Ora Deus Senhora Ulina" de Caldas Barbosa e Marcos Antonio, publicada por Mozart de Araújo no seu livro A Modinha e o Lundo no Século XVIII, uma pesquisa histórica e bibliográfica (São Paulo, 1963). Pouco tem sido editado do amplo repertório de modinhas luso-brasileiras e pouco se tem estudado a questão da interpretação adequada desse importante gênero da nossa História da Música. Em geral, quando se trata de modinhas, ainda servem como guia as orientações de Mário de Andrade expostas no seu livro Modinhas Imperiais, divulgado sobretudo pela edição de 1964. As sua sugestões porém, sobretudo com relação à atitude que deve-se tomar com relação a esses cantos, valem somente para exemplos tardios, de meados e fins do século XIX. As modinhas mais antigas, sobretudo aquelas a duas vozes, colocam outros problemas e pressupõem a consideração de outras situações históricas e sócio-culturais. Abre-se aqui um campo de estudos muito promissor e cujo estudo é de grande importância e necessidade para a nossa História da Música. A modinha brasileira permanece um campo demasiadamente pouco considerado e estudado no Brasil. A pesquisa e a prática da execução da música antiga não se dissociam, portanto, também e sobretudo com relação ao Brasil.
Material preparado para apresentações de concertos ou para entrevistas por ocasião de eventos do Conjunto Paraphernália, sobretudo durante a tournée pelas cidades do interior de São Paulo patrocinada pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (São Carlos, Campinas, Araçatuba, Lins, Piracicaba, São José dos Campos, Presidente Prudente, Sorocaba, Santos, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto). Salientam-se os concertos realizados por ocasião das comemorações dos 20 anos do Centro Acadêmico Vital Brasil de Sorocaba e da Semana da Abolição, em Presidente Prudente. Publicado em partes em BrasilEuropa & Musicologia, Kön: I.S.M.P.S. e.V., 1999, 102-103. ©Todos os direitos reservados
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