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PROBLEMAS TEÓRICOS DA HISTÓRIA DA MÚSICA NO BRASIL (1970)
Antonio Alexandre Bispo
O Professor Rossini Tavares de Lima, nosso fiscal estadual, ao ver os programas dos cursos de História da Música afixados na secretaria deste conservatório (Conservatório Musical do Jardim América), observou que não há, certamente, no Estado de São Paulo, outro estabelecimento de ensino musical que dê tanta atenção a essa matéria na formação dos alunos. De fato, não só aumentamos para três anos a duração do curso, como nos esforçamos em organizá-lo cuidadosamente, como todos podem ver nas várias dezenas de pontos especificados em detalhes. Nesse amplo programa, dedicamos um curso especial à História da Música no Brasil, o qual hoje iniciamos. Também aqui preparamos uma lista pormenorizada de pontos que vamos tratar. Na preparação das aulas, nos esforçamos em coletar o maior número possível de informações e dados de maior interesse para alunos de instrumentos e canto. Também coletamos material iconográfico e sobretudo partituras e gravações para ilustrar as aulas. Além do mais, coloco à disposição de todos a minha coleção de livros para que possam, com eles, completar as informações fornecidas pelo livro-base que adotamos. Vamos dividir essa bibliografia entre todos, de modo que cada um estude um determinado livro mais a fundo. Mais tarde, algumas horas de aula serão apenas dedicadas à discussão das obras. Apesar de toda a atenção que demos à preparação das aulas, temos grandes problemas na matéria que vamos estudar. Por um lado, esses problemas são resultantes do estado ainda pouco desenvolvido da pesquisa da História da Música no Brasil. Faltam-nos totalmente partituras dos dois primeiros séculos da nossa história. Uma situação incrível! Do século XVIII, temos apenas pouquíssimas músicas já publicadas, sobretudo as obras da Escola Mineira editadas por Francisco Curt Lange no Archivo de Musica Religiosa e la Capitania Geral das Minas Gerais (Siglo XVIII), tomo I, publicado em Mendoza, em 1951, e as modinhas que encontramos no livro de Mozart de Araújo, A Modinha e o Lundu no Século XVIII (São Paulo, 1963). Do século XIX, embora muito mais próximo de nós, a situação não é muito melhor. Encontramos disponíveis de forma mais acessível apenas hinos, modinhas, algumas óperas em redução para piano, peças para piano e música de salão. Não encontramos nas nossas casas editoras nada de maior fôlego, tal como música para conjuntos de câmara ou para orquestras. Vamos tentar suprir essa deficiência por meio de exemplos tirados de pesquisas que eu mesmo realizei em arquivos e através de procura ingente de peças entre antigos músicos da Capital e arredores. Quanto aos exemplos sonoros, dispomos de alguns discos, sobretudo da gravação já antiga das obras de Mestres do Barroco Mineiro (Festa Discos, Rio de Janeiro), da valiosa coleção histórica da Rádio MEC (com a Odeon) e da recente gravação do Te Deum de Luís Alvares Pinto executado no Festival Internacional de Curitiba. Essa falta de documentação específicamente sonora é um grande entrave para o ensino e o estudo da História da Música no Brasil. Falta-nos em grande parte o contato com a música viva. Não a podendo apreciar auditivamente, somos obrigados a dedicar-nos mais teoricamente ao assunto, o que torna o estudo mais insípido. Tentamos, então, compensar essa falha voltando-nos para as notícias históricas a respeito de compositores e suas obras, de instrumentistas, cantores, de grandes execuções, de grupos corais e sinfônicos, de casas de espetáculo, etc. Também aqui, porém, percebemos a falta de pesquisas mais aprofundadas. Há falta quase que absoluta de dados para os primeiros séculos da nossa história. As informações que encontramos nos livros não são nem sempre seguras. O problema fundamental da História da Música no Brasil é, portanto, um problema de fontes. Em primeiro lugar, faltam-nos fontes primárias e secundárias acessíveis, tais como músicas impressas, manuscritos, livros do passado. Esse problema é, porém, antes de mais nada, resultado da falta de pesquisas. Muito do que se publicou a respeito da História da Música no Brasil foi escrito com base em outros livros ou a partir de hipóteses pouco fundamentadas. Além do mais, as dimensões do país impedem que os seus estudiosos tenham uma visão realmente geral. Assim, o que se tem é, normalmente, mais uma História da Música de alguns poucos centros e das capitais, sobretudo do Rio de Janeiro e São Paulo. Uma orientação básica quanto à bibliografia referente à História da Música no Brasil nos oferece a Bibliografia Musical Brasileira de Luiz Heitor Correa de Azevedo. Um dos grandes monumentos da historiografia brasileira é a obra de Vincenzo Cernicchiaro, Storia della Musica nel Brasile dai tempi coloniali sino ai nostri giorni (1549-1925), publicada em Milão, em 1926, que aqui temos à disposição. Esse livro é criticado injustamente, talvez por ter sido o seu autor italiano. Na verdade, porém, é um repositório de dados muito valiosos, sobretudo para os fins do século XIX, um período que o autor conheceu de perto. Outra obra monumental é a de Renato Almeida, História da Música Brasileira, na sua segunda edição, aumentada, de 1942, totalmente diversa na sua concepção, como analisaremos com cuidado. Também copiosos são, entre vários outros, os livros de L. H. Correa de Azevedo (Música e Músicos do Brasil: História, Crítica, Comentários, Rio de Janeiro, 1950; 150 Anos de Música no Brasil 1800-1950, Rio de Janeiro, 1956) e, para a história geral, o de Otto Maria Carpeaux. De menor volume, mais inteligente talvez, mas não menos problemático é a Pequena de História da Música de Mário de Andrade, cuja sexta edição, de 1967, nos servirá como guia. Basta passarmos os olhos nos títulos e nos índices desses livros para percebermos a diferenças das denominações e da organização interna dos capítulos. Temos, aqui, um ponto de partida para refletirmos sobre dois pontos importantes da metodologia histórica: o do conceito e o da periodização. Assim, o livro de Cernicchiaro se denomina "História da Música no Brasil", enquanto que o de Renato Almeida traz o título de "História da Música Brasileira". À primeira vista, essa diferença parece ser insignificante. Na verdade, porém, indica a existência de conceitos diversos da historiografia musical, do seu escopo e dos seus métodos. A primeira parte do pressuposto de que a música é um fenômeno cultural da humanidade, por assim dizer universal e que, no caso, é considerada num determinado país, ou seja, no Brasil. A segunda, parte do princípio que há uma música brasileira em si e que é a sua história que deve ser escrita. Na verdade, o que se escreve é então a sua pré-história, pois a música que traz as características que o seu autor considera como brasileiras são aquelas da sua época...Com isso, porém, tudo o que vem antes surge apenas uma preparação, um estágio ainda pouco desenvolvido, superado da música com características próprias do país. Todo o passado é, portanto, julgado com critérios de valor e bastante desqualificado. É uma historiografia que está a serviço de um ideal político, da formação de uma consciência nacional ou nacionalista, sentida necessária na sua época e é, portanto, também um produto de um determinado período da nossa história. Quanto à ordenação do desenvolvimento histórico em períodos e fases, constatamos profundas diferenças entre os vários autores. Vejamos, por exemplo, a periodização sugerida por Guilherme Teodoro Pereira de Melo. A obra deste autor, que nasceu em 1867 na Bahia e faleceu em 1932, publicada em primeira edição em 1908, é considerada por muitos como pioneira na historiografia musical do Brasil. Temos aqui à disposição a segunda edição desta obra, publicada pela Imprensa Nacional do Rio de Janeiro, em 1947. Na distinção dos períodos ou fases históricas, este autor parte da noção de "influência". Ele fala de "influência indígena", "influência jesuítica", "influência portuguesa, africana, espanhola", "influência bragantina", de um "período de degradação" e de "influência republicana". Ora, já essas denominações demonstram como os critérios do autor são ilógicos. Quando se fala de influência, pressupõe-se que exista algo a ser influenciado. Pelas denominações, que incluem critérios da história política, parece que o autor procede historicamente. Qual seria, no caso, a música que teria recebido tais influências históricas? Não seria, certamente, a música indígena, pois ele fala de influências indígenas; não seria a música portuguesa, pois ele também fala de influências portuguesas, nem negra...Parece que ele parte da idéia da pré-existência de uma "música nossa" como uma espécie de entidade metafísica. Além do mais, há uma confusão na caracterização das influências pelo uso de critérios étnicos, religiosos e histórico-políticos, estes, sobretudo, muito discutíveis. Como o termo "período de degradação" claramente denota, o autor utiliza critérios de valor e de julgamento, ou seja, não é imparcial no estudo da história. Para ele, o período de formação da "nossa música" teria sido marcado pela influência indígena e jesuítica, o que é um absurdo, pois, na melhor das hipóteses poder-se-ia falar de influência jesuítica na música dos indígenas. Para ele, o holandês, "povo aventureiro", nada teria influenciado a "nossa música". Será que é verdade? O período de caracterização da nossa música teria sido marcado pela influência portuguesa, africana e espanhola, o período de desenvolvimento pela influência bragantina, de D. João VI, de D. Pedro I e D. Pedro II; o período de degradação pela influência de pseudo-maestros italianos e o período de nativismo pela influência republicana. Como vemos, é uma divisão em períodos altamente questionável. O livro de Guilherme Theodoro Pereira de Melo oferece uma quantidade muito grande de informações e nos será muito útil. Precisamos, porém, como todos os outros livros de nossa história, utilizá-lo com muito cuidado, estudando-o criticamente, detectando todos os seus julgamentos de valor. (...)
Aula introdutória do curso de História da Música no Brasil no Conservatório Musical do Jardim América (Excertos). Publicado em partes em BrasilEuropa & Musicologia, Köln: I.S.M.P.S. e.V. 1999, 104106. ©Todos os direitos reservados
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