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MATERIAIS CONSTRUTIVOS E COMPOSIÇÃO (1969)
Antonio Alexandre Bispo
No estudo da Arquitetura estamos acostumados a estudar o Projeto como disciplina em si, independentemente de outras de cunho técnico e ligadas a problemas dos materiais, tais como Resistências dos Materiais e Estabilidade das Construções, Estruturas de Concreto Armado, Estruturas Metálicas e de Madeira. Tal distinção não se observa no âmbito musical, uma vez que o estudo do "material" a ser empregue pelo compositor na realização da sua obra também é levado a efeito no âmbito da Composição. Com os novos desenvolvimentos no ensino da Teoria Superior da Música, da Morfologia e da Análise abrem-se possibilidades para um novo questionamento dessa situação e para a abertura de novas perspectivas, inclusive para a criação musical. De fato, parece ser altamente razoável distinguir entre o Projeto e as disciplinas relacionados com os materiais a serem empregados e o seu tratamento técnico. O projetar, ato criador por excelência, adquire maior liberdade através da abstração, e a liberdade é condição essencial para a criação. É claro que os projetos visualizados querem vir a ser concretizados. Para não serem utópicos, o arquiteto já deve levar em consideração a sua realização e, portanto, os materiais a serem utilizados. É claro também que o próprio material pode dar sugestões e motivar projetos, este, porém, é o ato inicial, e a consideração do material poderia ser considerada como uma espécie de antevisão. O projetar ocorre inicialmente no íntimo daquele que projeta. O "material" que usa para o seu projeto é, no caso, "imaterial". A obra material nunca conseguirá concretizá-lo com toda a perfeição, uma vez que a matéria apresenta resistência, é corrompível e se deteriora. Na Música, o processo poderia ser considerado similar, uma vez que o criador poderia "ouvir" interiormente a sua composição antes de grafá-la. Em muitos casos, porém, compõe-se já escrevendo e elaborando o "material" colocado à disposição ou escolhido. O vínculo com o material parece ser aqui muito mais estreito do que na Arquitetura, e isso numa arte que é considerada tão imaterial! Talvez haja aqui uma relação com o nome que nos parece hoje tão infeliz de "composição", o que sugere a colocação de elementos para formar um conjunto, para compor um todo. Práticamente não há o estudo do "projeto" musical no curso de Composição; estuda-se o material, a sua organização segundo formas mais ou menos codificadas, mas a criação, em si, não é tematizada ou discutida antes da sua realização escrita. Esse procedimento não deixa de ser questionável. Parece ser sintomático que o termo "composição", na Arquitetura, não deixa de ter uma certa conotação negativa ou, pelo menos, se relaciona com apenas um dos aspectos do projeto, talvez até mesmo relativamente secundário. Poderíamos ver, porém, a situação sob outro aspecto, e dizer que a Arquitetura deveria seguir o procedimento musical, "compondo" a partir do material dado ou escolhido. Este seria o caso, por exemplo, se criássemos um sistemas de variados módulos para paredes, telhados, portas, janelas e de elementos infra-estruturais combináveis entre si. De acordo com a sua disposição ocorreriam diversas situações construtivas, diferentes pontos e linhas de força, diversas dominâncias e repousos. Este procedimento representaria até mesmo uma solução criativa e praticável para os nossos problemas de moradia popular, havendo também a possibilidade de uma interação dos usuários na disposição dos elementos construtivos, ou seja, na sua composição. O projeto, nesse caso, seria idealizar o material que deveria servir para a composição. No caso da música, essa organização prévia do material a ser utilizado é feita, por alguns compositores, a partir da escolha de escalas e do material empregado. Na tentativa de sistematizarmos ao máximo este procedimento, construímos todas as escalas possíveis dentro do sistema tonal, de 2 (!) a 12 tons. Com base nessa coleção de escalas, procuramos, numa primeira análise, excluir todas as escalas já desgastadas, por exemplo, aquelas que apresentam uma ordenação de tons e semitons como a das escalas e modos usuais ou conhecidos ou a escala cromática. Também excluimos todas as escalas que apresentam enharmonias que as fazem idênticas no sistema temperado. Numa segunda análise, escolhemos, como materiais de trabalho, algumas das escalas que nos parecem de maior interesse, pelas relações intervalares inusitadas que encerram ou pelas tensões internas existentes. Essas tensões e os respectivos repousos, as linhas de força e os intervalos característicos, estruturais, passam então a ser analisados. Com este analisar, toma-se um conhecimento mais íntimo do material e penetra-se no universo sonoro respectivo, procurando-se até mesmo detectar um certo "ethos" que associamos inconscientemente com a respectiva disposição de sons. Para isso convém fantasiar, improvisando algum tempo a partir da ordenação escalar escolhida. Por fim, tenta-se então "compor" com esse material. Como este procedimento composicional só leva em consideração o aspecto da altura e se restringe ao próprio sistema temperado, é bastante restrito. Serve, porém, como exercício e, sobretudo, para uma participação de pessoas em geral passivas no prazer do ato criador musical. Obras de arte realmente inovadoras e originais não serão criadas, mas pode-se chegar a produtos interessantes que podem muito bem servir para determinadas funções, como por exemplo, para acompanhamento de teatro, de textos, etc., substituindo, com vantagem, um repertório já por demais usado. É um procedimento, portanto, útil para professores de música, que frequentemente se defrontam com a necessidade de novas músicas para as mais variadas circunstâncias. Damos, aqui, como exemplo, 4 miniaturas compostas a partir de determinadas sucessões escalares.
Aula ministrada no curso de Teoria Desenvolvida da Música do Conservatório Musical do Jardim América da Sociedade Nova Difusão, em 1969/70 e da cadeira de Estruturação Musical da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972. Baseado em estudos de composição feitos com Ernst Mahle, em Piracicaba, em 1969. Desta publicação são excluídas as tabelas com todas as escalas possíveis no sistema tonal. Publicado em BrasilEuropa & Musicologia, ed. H. Hülskath, Köln: ISMPS e.V. 1999,32-38 ©Todos os direitos reservados
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