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COMUNICAÇÃO VISUAL E MÚSICA (1972)
Antonio Alexandre Bispo
É interessante observar a naturalidade, quase que irrefletida, com que se estuda a disciplina Comunicação Visual no âmbito da Arquitetura. Até parece que Arquitetura e Urbanismo sejam artes exclusivamente visuais. Na realidade, porém, são artes, ou fenômenos , espaciais. A percepção do espaço é um fenômeno muito mais amplo e complexo do que aquele que tem a ver com a pintura, o desenho ou outras modalidades de manifestação artística de cunho especificamente visual. Também cegos podem perceber o espaço, talvez até mesmo de forma muito mais sensível do que um homem acentuadamente visual. Isso não quer dizer, em absoluto, que o aspecto visual não tenha especial relevância para a Arquitetura. Basta pensarmos no significado da ornamentação de fachadas do passado, das pinturas e decorações internas e externas de edifícios, da sinalização de ruas e estradas, do papel de cartazes na ordenação visual do espaço, no problema da poluição visual de nossas cidades, etc. A disciplina "Comunicação Visual" não pode ser entendida, porém, somente como sendo o estudo do elemento visual na Arquitetura, pois inclui a palavra "comunicação". Entramos aqui, portanto, no âmbito do estudo da emissão, transmissão e recepção de mensagens, dos sinais, signos e símbolos, ou seja, da semiologia. Assim, fala-se também da "leitura" da cidade. Essa leitura não pode ser compreendida apenas como a decifragem de mensagens percebidas pela visão das ruas e casas, seja este texto planejado ou produto da arbitrariedade e das circunstâncias. Sendo a Arquitetura um fenômeno de natureza espacial, também a sua leitura não é apenas uma questão dos olhos como órgão dos sentidos. "Ver" quer dizer muito mais do que simplesmente olhar no sentido superficial do termo. Ver é entender, podendo haver muito bem uma visão interna, sem o uso dos olhos. Neste sentido, a visualização é de significado fundamental para o projeto e o planejamento. A leitura da Arquitetura e da cidade como comunicação visual assim compreendida tem a ver com a percepção visualizante de significados e pode ser feita também por cegos. Quando se fala em Comunicação Visual e Música, pensa-se automaticamente no problema da notação musical. A grafia é, de fato, uma questão de muita importância na música contemporânea, e numerosas têm sido as tentativas de uma renovação da notação musical, tentando torná-la adequada às novas formas de expressão. Tem-se constatado também que novas grafias podem possibilitar novas formas de execução e interpretação. Não se trata, portanto, somente do fato de querer fixar mais adequadamente aquilo que se compõe, nem apenas de superar um sistema de notação que está intimamente vinculado com o sistema tonal tradicional. Inventar novos sinais, aperfeiçoar o repertório de sinais não é só o que não basta. O problema da grafia musical vai muito mais além do que a inclusão de novas linhas no pentagrama, de sinais de acidentes para indicar partes de tom menores do que o semitom ou de notação mais precisa de gradações dinâmicas, expressivas ou de timbre. A grafia musical não é apenas uma fixação escrita do que se concebeu musicalmente, mas condiciona e influencia o que é concebido e pode dar origem a um processo criador por parte do receptor. Processos altamente complexos de interação podem ser assim desencadeados. Um exemplo é aquele no qual os ouvintes recebem, ao entrar num auditório, pedaços cortados arbitrariamente de uma partitura e por eles colados num papel, constituindo assim uma partitura que deverá ser tocada pelo instrumentista em concerto. O problema da grafia em música é de excepcional importância para o estudo da História da Música e da música de culturas não-européias. O desenvolvimento histórico da notação musical na Idade Média é assunto da Paleografia, ramo de fundamental importância da História da Música e, como o sabemos, do Canto Gregoriano, de relevância para a interpretação e para a prática de execução musical. É evidente que o tratamento dessas questões paleográficas sob a perspectiva da Comunicação Visual, ou seja, também com base na teoria dos sinais e signos, pode trazer novos aportes elucidativos. Quanto à notação de músicas de culturas não-européias, como aquelas dos índios brasileiros, ou mesmo do folclore europeu ou de origem européia, todos sabemos quantos problemas se levantam. O uso da notação convencional para a grafia desses cantos somente pode ser justificada por motivos práticos, por exemplo para facilitar o estudo e a utilização de material registrado. Na realidade, temos aqui não só o problema da representação gráfica daquilo que o observador externo percebe do fenômeno sonoro analisado. Temos também o problema da "visualização" inerente do fenômeno sonoro em si, o que exige um estudo das concepções e do modo de apreensão do homem nos contextos culturais respectivos. O problema da Comunicação Visual diz respeito também à forma de apresentação visual da música no sentido amplo do termo. Todos nós sabemos que grande parte do público de nossas salas de concerto vão às apresentações pelo aspecto visual das mesmas. A formalidade e a solene e cerimoniosa festividade dos concertos e das salas são importantes fatores para determinados círculos sociais. Ao mesmo tempo, porém, afastam outros círculos sociais que se sentem inibidos com a aparência visual da prática da música erudita. Partindo desta constatação, a Sociedade Nova Difusão Musical tem como um de seus principais objetivos a realização de concertos visualmente e espacialmente adequados a um público não acostumado às salas de concerto. Para isso, naturalmente, há necessidade de pesquisas e experimentação, o que inclui a consideração de vários fatores, sobretudo de natureza psicológica. A Comunicação Visual, entendida no amplo sentido do "ver", ou seja, de reconhecer, entender e visualisar, é de fundamental importância sobretudo para a composição musical. Assim como a Comunicação Visual é tratada no estudo da Arquitetura como disciplina em si, à parte da disciplina Projeto, apesar de todas as suas interrelações, também no ato criativo-musical dever-se-ia distinguir o "projeto" musical de sua visualização interior. Aquele que projeta é, por assim dizer, o criador, o pai, a imagem interior criada é, por assim dizer, o seu filho. Como esse ato criador acontece primeiramente no íntimo do homem, no seu espírito, temos aqui o modêlo trinitário da teologia. A imagem visualizada por aquele que projeta, no sentido mais absoluto e original , corresponde, aqui, ao Filho, ao Logos. O Pai é aquele que projeta na eternidade, de modo que o Projeto tem a ver mais com o critério temporal. A sua visão, por outro lado, tem a ver mais com o espaço. A "matéria" é, nessa dimensão metafísica, o Espírito. O ato criador do homem, nessa linha de pensamento, acontece primeiramente no íntimo, a sua matéria é o espírito, e esse deve ser o mais "imaterial" possível e, assim, abstrato. No ato, visualiza-se a imagem da criação da forma mais a-temporal possível, ou seja, vê-se, domina-se a criação no seu todo, não no seu desenrolar na temporalidade. É essa imagem que deve vir a ser grafada. Isso deve ser feito de tal forma que o executante, que a apresenta no tempo que corre, possa transmitir a sua essencial espacialidade. O objetivo seria transmitir ao ouvinte a imagem visualizada pelo compositor no ato criativo. Tratar-se-ia, portanto, de transmitir no tempo, ou seja, através da música, a visão do projetista, que é o arquiteto. Essa visão é de natureza espacial e como tal deveria ser recebida. Temos aqui, portanto, a questão da transmissão no tempo daquilo que é visto na partitura e que representa um fenômeno espacial e que deve criar, na visualização do receptor, um fenômeno de natureza espacial. Uma tentativa de tratar essa questão na prática é a peça "Suspiro Tonal" para piano, que aqui apresentamos.
Conferência/recital realizada no curso de Composição sob Jorge Peixinho durante o Festival Internacional de Curitiba, Paraná, em janeiro de 1970. Baseada em discussões e trabalhos levados a efeito durante o curso de Comunição Visual da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e em evento da Sociedade Nova Difusão Musical no Teatro Anchieta, em São Paulo, em 1968 e 1969. Publicado em Brasil-Europa & Musicologia, ed. H. Hülskath, Köln: ISMPS e.V. 1999, 29-31. ©Todos os direitos reservados
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