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CONCEPÇÕES MUSICAIS INTRÍNSECAS A MITOS E RITOS - MARIUS SCHNEIDER (1972)
Antonio Alexandre Bispo
Temos, no Brasil, um grave problema e uma grande chance no estudo das nossas expressões culturais: os ritos do catolicismo popular e dos cultos ditos afro-brasileiros da umbanda, do candomblé e congêneres. Como sabemos do estudo do Folclore e dos trabalhos que estão sendo desenvolvidos no âmbito da cadeira de Etnomusicologia, os estudos existentes a respeito são altamente insuficientes e insatisfatórios. Explicam muito, colocam uma série de hipóteses e teorias, mas não elucidam nada. No fundo, ninguém entende o sentido desses ritos e cultos, ninguém sabe o porquê o nosso povo os mantém com tal perseverança, ninguém entende o sistema dos orixás. Esse insuficiente estado da pesquisa é decorrente dos métodos inadequados utilizados. Atenta-se aqui contra os conselhos que sempre recebemos ao estudar a técnica da pesquisa de campo: não deveríamos projetar teorias pré-concebidas naquilo que vai ser estudado, mas sim observá-lo e só posteriormente tirar as conclusões que dele resultam. Com isso, não aplicamos e procuramos constatar concepções nossas, mas revelamos concepções intrínsecas aos fatos. A intenção de detectar as concepções próprias aos ritos e mitos não é naturalmente nova, tem apresentado, porém, grandes problemas na sua consecução consequente. Sempre tem-se caído em projeções e generalizações indevidas. A aula de hoje é dedicada a Marius Schneider, o autor de estudos publicados na coletânea que nos serve de texto básico da Enciclopédia Plêiade-Música e que exemplificam os seus fascinantes pontos de vista. Os Senhores também dispõem facilmente do seu artigo no primeiro volume da New Oxford History of Music, publicada em Londres, em 1957. Esse musicólogo alemão nasceu em 1903 e doutorou-se em 1930. Após ter trabalhado e dirigido o Arquivo Fonográfico de Berlim, assumiu, em 1943, o Departamento de Folclore do Instituto Espanhol de Musicologia e, em 1946, foi nomeado professor da Universidade de Barcelona. Desde 1955 atua na seção de Etnomusicologia no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia. Esse professor é para nós, no Brasil, sob muitos aspectos, de muito maior importância do que todos os demais representantes da Musicologia Comparada ou da Etnomusicologia estabelecida nos Estados Unidos. Essa importância não é devida tanto aos seus trabalhos diretamente relacionados ao Brasil, ou seja, umas considerações sobre as flautas de Pan sul-americanas, publicadas, em alemão, no Arquivo de Pesquisa Musical Nr. 2, em 1937, e uma "Contribuição a la música indigena del Matto Grosso", saida no Anuário Musical Nr. VII, em 1952. Ela reside no fato de que esse autor teve um contacto direto e profundo com o folclore da península ibérica, que é tão próximo ao nosso por ter oferecido as bases de muitas de nossas danças e folguedos. Marius Schneider tentou compreender o sentido dos fatos folclóricos que presenciou e que não conhecia do seu país natal e desenvolveu a partir daí um vasto edifício teórico. É claro que as conclusões a que chegou e o sistema por ele criado não são bem entendidos pelos etnomusicólogos europeus e sobretudo norte-americanos que nunca tiveram um contacto tão profundo com o folclore europeu ainda muito vivo na Espanha na época em que Marius Schneider lá trabalhou. É, por isso, criticado, pois dizem que as suas teorias são muito imaginativas mas dificilmente comprováveis cientificamente. Há sempre muitos sabichões entre os etnomusicólogos! Quando mudou-se para a Espanha, Marius Schneider já tinha publicado importantes estudos sobre a História da Polifonia. A série de seus estudos, que para nós são de particular importância, começa porém com um livro a respeito da "origem musical dos animais-símbolos na mitologia", publicado em Barcelona, em 1946. Dois anos depois lançou um estudo sobre a dança de espadas e a tarantela, também em Barcelona. As conclusões de natureza transcendente que tira de suas pesquisas se manifestam claramente num trabalho sobre o significado musical de capitéis medievais e que traz o título curioso de "Pedras cantantes". As suas concepções teóricas e metodológicas estão expostas em vários artigos. Ele estudou o relacionamento musical entre as culturas primevas e os povos pastores (em alemão, na Revista de Etnologia 69, 1937), fêz um estudo sobre a transmissão "literal" e estrutural de melodias peregrinas (1938), publicou considerações a propósito da influência árabe na Espanha (1946, 1953), estudou a tipologia musical e literária da canção de ninar espanhola, o canto de chuva, a zabumba e o pandeiro (1954). De fundamental importância é a sua obra "Fundamentos históricos do Simbolismo Musical", publicado em 1951. Nos "colóquios de Wégimont", em 1956, apresentou também "os fundamentos intelectuais e psicológicos do canto mágico". Em 1960, publicou um trabalho a respeito dos "Fundamentos musicais da Harmonia das Esferas". Vamos analisar agora com cuidado o artigo de M. Schneider a respeito dos Mitos publicado na Enciclopédia da Plêiade, tentando detectar o seu modo de proceder, as suas possíveis generalizações indevidas, ou seja, não corroboradas por contextos históricos e culturais, comparando com concepções e fenômenos que conhecemos de nossos ritos e cultos populares. (....)
Aula no curso de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, 1972. Publicada em partes em BrasilEuropa &Musicologia, ed. H. Hülskath, Köln: I.S.M.P.S. e.V. 1999, 139-140. ©Todos os direitos reservados
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