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QUESTÕES INTRODUTÓRIAS DE TEORIA E MÉTODO: FRITZ BÖSE E BRUNO NETTL (1972)
Antonio Alexandre Bispo
Na aula de hoje vamos considerar o pensamento de dois famosos representantes da nossa matéria, Fritz Bose e Bruno Nettl. Ambos diferem muito entre si e será certamente instrutivo compará-los. Vamos ver até que ponto podemos aceitar as suas teorias e métodos no Brasil. Isso é particularmente importante, pois usamos nesse semestre, como texto básico para o nosso estudo, um dos livros de Bruno Nettl, ou seja, a Theory and Method in Ethnomusicology. Vamos ver como este livro está organizado, quais os pontos que trata e como os trata. Comecemos, portanto, com este autor. Bruno Nettl não deve ser confundido com o seu pai, Paul Nettl, um pesquisador americano originário da Tchecoslováquia, autor de interessantes obras de história da música e sobretudo de história da dança e que foi, por fim, até o início dos anos sessenta, professor catedrático na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos. O seu filho, que também foi seu aluno, nasceu em 1930, ou seja, tem agora pouco mais de 40 anos. Ele aprendeu muito com o etnomusicólogo George Herzog e doutorou-se bem jovem, em 1953, com uma tese a respeito dos estilos musicais dos índios norte-americanos, apresentada na Universidade de Indiana. A partir desse ano, deu aulas na Universidade Wayne em Detroit e, entre 1956 e 1958, no Norte da Alemanha, na Universidade da cidade de Kiel. Hoje, ele é professor de música e antropologia na Universidade de Illinois. Nós vamos considerar primeiramente um famoso livro de Bruno Nettl, intitulado Music in Primitive Culture, de 1956, pois foi o primeiro livro em inglês que tentou dar uma visão em conjunto da função da música nas chamadas "sociedades primitivas" e é pensado como uma introdução à matéria para estudantes e leigos. Os Srs. podem consultar esse livro na biblioteca que formamos. Nós vamos discutir detalhadamente a noção de "povos primitivos" numa próxima aula. Primeiramente, Bruno Nettl diz que essa tal de música primitiva pode ser tratada sob diferentes pontos de vista, pois cabe na musicologia, na antropologia, no folclore, na psicologia, etc... Ele se considera musicólogo e pretende tratar o assunto sob esse aspecto. Os antropólogos ou folcloristas que lêem o seu livro certamente percebem que o interesse do musicólogo na matéria é muito diverso. E como isso é verdade! Nós, que temos já formação em Folclore, podemos perceber isso muito bem. O livro está dividido em 10 capítulos. Após a introdução, ele trata dos seguintes pontos: o papel da música nas culturas primitivas, o desenvolvimento e as disciplinas da Etnomusicologia, escalas e melodia, rítmo e forma, polifonia, instrumentos musicais, música primitiva americana ao Norte do México, música africana e música negra do Novo Mundo, e música primitiva em perspectiva. Segue uma bibliografia comentada, anotações, índice e exemplos de música primitiva. No capítulo dedicado ao papel da música na cultura primitiva, Nettl trata das funções da música dita primitiva, da especialização musical entre esses tais grupos primitivos, das técnicas de composição, do processo de evaluação e do relacionamento entre a música e a linguagem. O capítulo dedicado ao desenvolvimento e às disciplinas da Etnomusicologia trata de dois pontos: o desenvolvimento da Etnomusicologia e as teorias e métodos de pesquisa. Os capítulos que tratam das escalas e melodia, do rítmo e da forma, da polifonia e dos instrumentos musicais não vamos considerar mais em detalhe, porque são assuntos que vão ser tratados no curso de Estruturação musical. Também os capítulos referentes à música dos índios da América do Norte, dos africanos e dos africanos no Novo Mundo serão assuntos a serem estudados nos próximos semestres. O último capítulo é dividido em dois pontos: teorias a respeito da origem da música e "reconstruindo" a história da música primitiva. Entre os 60 exemplos musicais, não encontramos nenhum referente ao Brasil. As melodias transcritas serão consideradas no curso de Estruturação Musical. No último capítulo do seu livro, Bruno Nettl diz, com razão, que a classificação da música primitiva de acordo com áreas geográficas e a identificação de sobrevivências não pode ser divorciada do estudo da história da música. Nós bem sabemos, do estudo do Folclore, como a questão da distribuição geográfica e a noção de "sobrevivências" são complexas! Lembrem-se das discussões a respeito da divisão das áreas culturais no Brasil e daquelas de A. Lomax consideradas também pelo Prof. Rossini Tavares de Lima! Durante todo o seu livro, Bruno Nettl diz que confronta o leitor com duas perguntas básicas: como é que se deram as condições presentes capazes de serem examinadas? O que primeiramente motivou o homem aborígene a cantar e a criar instrumentos musicais? Segundo Nettl, muitos pensadores já teriam tentado responder a essas questões. Ele pretende rever brevemente tais teorias e adicionar a elas uma nova, sua! Ele começa dizendo que a hipótese de Darwin, que liga a origem da música ao sexo, foi uma das primeiras. Isso é um êrro, ou melhor, uma tremenda superficialidade, e mostra que falta a Bruno Nettl conhecimentos mais profundos da história do pensamento musical e até mesmo da obra de Darwin. Ele se refere então à discutida teoria de Buecher sobre a origem do rítmo nos cantos de trabalho, à de Stumpf com relação à origem de linguagem entoada derivada do desejo de comunicação a longas distâncias, e por fim à hipótese de Nadel, segundo a qual a música teria surgido originalmente como um meio de comunicação com o sobrenatural. Em geral, segundo ele, os especialistas atuais simpatizariam mais com a hipótese de uma conexão original entre a música e a linguagem. A sua própria teoria se baseia na idéia de que teria existido um método indiferenciado de comunicação em tempos remotos, que não seria nem fala nem música, mas que possuiria três características: altura, intensidade e duração. Nessa primitiva forma de comunicação não teria havido uma altura fixa, os valores de duração teriam sido relativos e os modêlos de intensidade irregulares, tais como na linguagem prosaica atual. Não teria havido distinção entre vogais e consoantes. Esse tipo de comunicação seria comparável aos ruídos que fazem os bebês antes de falar. Desse primeiro método de comunicação, cujo simbolismo nós apenas podemos supor, ter-se-iam desenvolvido dois meios específicos de comunicação, a música e a linguagem. Nós pouco poderíamos dizer a respeito dos estágios intermediários, mas deles ainda existiriam alguns tipos no presente. A teoria de Nettl, portanto, postula três estágios no desenvolvimento da música: 1) comunicação não-diferenciada; 2) diferenciação entre a linguagem e a música, permanecendo a música ainda num estágio altamente elementar; 3) diferenciação entre os vários estilos musicais. Nós só temos dados a respeito do último estágio, e esses dados são bastante recentes. De acordo com essa teoria, até mesmo os estilos mais primitivos, aqueles do tipo de ladainha e de escalas ditônicas, teriam uma longa história atrás de si. Voltaremos a esse assunto mais profundamente no curso de Estruturação Musical. Por fim, Nettl diz que já chegamos a um ponto no qual poderíamos utilizar os nossos conhecimentos a respeito da música primitiva para tentar localizá-la na totalidade da música do gênero humano, do passado e do presente. Nós encontraríamos poucas diferenças essenciais entre a música primitiva e outros tipos de música folc-música, música oriental e música erudita ocidental. As diferenças estilísticas seriam, segundo ele, mais quantitativas do que qualitativas. Isso permitiria traçar áreas musicais em todo o mundo em termos genéricos. O mundo poderia ser dividido, aproximadamente, em três áreas musicais. Em cada uma delas haveria naturalmente estilos de música mais cultivada e complexa. Próximo dos centros dessa música erudita, encontramos estilos folclóricos que interagem com estilos mais avançados. Na periferia de cada área haveria estilos primitivos. A primeira área consiste na Europa e na África Negra. A segunda área consiste do Norte da África e do mundo islâmico, India e Indonesia e se prolonga até a Oceania. A terceira área consiste de mongóis e inclui os índios americanos, as culturas mais avançadas do Extremo Oriente, povos da Sibéria, extendendo-se até a Rússia européia com os povos fino-ugricos. Em todas essas áreas nós encontramos três tipos de música: folc-música, primitiva e erudita. O que significaria essa interdependência entre a música primitiva e a não-primitiva para os intelectuais, músicos e apreciadores da música? Para o musicólogo, isso significa que ele não pode estudar a música de uma cultura sem considerar as contribuições musicais de todo o mundo. Para o antropólogo interessado em música primitiva, isso significa que ele não pode examiná-la isoladamente. Hoje em dia, os compositores fazem já, segundo Nettl, uso abundante da música primitiva. O sucesso desses esforços depende em parte do grau de aceitação por parte dos auditórios. Os ouvintes devem tornar-se conscientes das fontes primitivas e reconhecer a sua validade. Essa intenção final de Nettl nos parece - em termos gerais altamente nobre e razoável. É por essa razão que utilizamos da sua obra como manual básico nos nossos cursos de Etnomusicologia dedicados a instrumentistas, regentes, compositores e professores de música. Isso não nos impede porém de observar que as justificações dessa filosofia de Nettl, por exemplo através das suas próprias teorias a respeito da origem da música e da divisão das áreas musicais do globo são pouco fundamentadas cientificamente. Há muita imaturidade, até mesmo infantilidade nessas teorias e nos seus conceitos! Passamos a considerar agora o nosso manual, o livro Theory and Method in Ethnomusicology, cujo prefácio traz a data de 1963. O autor quer oferecer com esse livro uma base geral teórica e metodológica que sirva aos pesquisadores das mais diversas áreas, por mais díspares que sejam. Por isso, vamos utilizá-lo também, se bem que criticamente e complementado pela coletânea indicada. O escopo do livro é mostrar o que os etnomusicólogos devem tentar fazer e o que eles estão fazendo atualmente, dando algumas orientações para aquele que está se iniciando na área. O próprio autor esclarece o índice do livro que os Srs. têem à frente. Após um capítulo introdutório, no qual ele trata da natureza e dos objetivos do campo de estudo, ele considera no segundo capítulo as fontes bibliográficas da matéria. Já tratamos desse assunto na aula dedicada à introdução publicada por Jaap Kunst. O capítulo três é dedicado à pesquisa de campo, às técnicas e aos procedimentos. Esse assunto muitos dos Srs. já estudaram nos cursos de Folclore, creio, porém, que podemos discutir o texto de Bruno Nettl com base nas discussões e teorias dos nossos folcloristas. O capítulo quatro é dedicado ao problema da transcrição do material coletado. Vamos dar particular atenção a esse assunto, uma vez que é de particular importância para músicos práticos e professores de música e nos colocamos na tradição de Martin Braunwieser, por assim dizer o pioneiro da nossa transcrição musical. O capítulo cinco é dedicado à análise e descrição do estilo de composições individuais, o capítulo seis ao estilo de grupos ou repertórios musicais; esses capítulos serão completados através das aulas de Estruturação Musical. O estudo de instrumentos musicais é discutido no capítulo sete, uma matéria que vai ter de ser completada por meio de outros trabalhos organológicos, talvez o possamos fazer juntamente com o professor responsável pela matéria Instrumentação. O objetivo final é alcançado nos capítulos 8 e 9: o papel da música na cultura humana. O capítulo 8 trata do enfoque histórico e geográfico, sobretudo da cultura musical em geral. O 9 do problema do contexto e da comunicação. Nele é tratado o papel da música nas culturas particulares e na vida do indivíduo, mais ou menos o que os Srs. estudam sob o conceito de "folclore do dia-a-dia". É justamente nesses últimos dois capítulos do livro que vamos ter de proceder da forma mais aprofundada e crítica, completando-os com leituras paralelas. Por um lado, por se tratar de um assunto de extraordinária importância para educadores como muitos dos Srs. Por outro lado, como já salientamos, porque o autor parece ter noções históricas deficientes e idéias pouco bem fundamentadas ou não muito amadurecidas. O apêndice do livro traz alguns exercícios preliminares e preparatórios e problemas para o estudante. Como os Srs. verão, preparamos nós mesmos outros tipos de exercícios, em parte em forma de testes de múltipla escolha. O exercício principal será a o trabalho final que os Srs. irão preparar no seu próprio meio de atuação e vida. Bruno Nettl conclui esse compêndio dizendo que a Etnomusicologia é uma disciplina que ainda está numa fase inicial. Ela começou como um apêndice da musicologia histórica, que é vinculada com a música do Ocidente, e emergiu como uma área de importância com direito próprio de existência. Ela já desenvolveu uma grande quantidade de teorias, um tanto desorganizadas, mais possui ainda um corpo ainda muito pequeno de documentação. Como já explicamos na nossa aula inicial e voltaremos a tratar, temos em parte uma outra concepção da divisão e do relacionamento das matérias entre si. Para nós não basta aquilo que Nettl tão bem salienta, ou seja, que o historiador da música e o público reconheça o valor da música não-ocidental; o etnomusicólogo deve também conhecer bem - e não superficialmente a história da música e do pensamento musical no sentido amplo do termo. Vamos passar agora a tratar de alguns aspectos das obras e das idéias de Fritz Bose. A razão de considerá-lo na mesma aula com Bruno Nettl é porque gostaríamos também de utilizar paralelamente, como um compêndio contrastante, a sua obra "Etnologia Musical" (Musikalische Völkerkunde), de 1953, mas que só temos em alemão. Fritz Bose é de uma geração anterior a Nettl, pois nasceu em 1906, na Alemanha. A partir de 1955, ele foi diretor do Departamento de Música do Instituto Fonológico da Universidade de Berlim. Além de muitos outros trabalhos, escreveu um artigo a respeito da música da América do Sul, publicado na famosa Acta Musicologica, nr. 29, em 1957. Esse artigo, porém, trata sobretudo das dificuldades da pesquisa histórico-musical no continente americano e é dedicado sobretudo a salientar a figura do Professor Francisco Curt Lange e suas descobertas. Não nos interessa, portanto, no momento. Vamos tratar da "Musikalische Völkerkunde", cujo conteúdo nos foi em parte traduzido pelo Maestro Braunwieser. Devemos salientar, de início, que o autor usa o termo "Etnologia musical" e não Etnomusicologia. Na introdução, Fritz Bose descreve o escopo do livro: para todos aqueles que têem interesse na música de povos exóticos, faltava até então uma obra que oferecesse sinteticamente os estilos musicais de todos os povos da terra, dos seus instrumentos, dos seus costumes musicais e das suas idéias a respeito da música. As obras anteriores não ofereciam nem descrições dos estilos, nem um retrato da diversidade das realidades musicais. Fritz Bose parte do princípio que tudo o que é vivo obedece a certas leis naturais, ou seja, a princípios biológicos de estruturação natural. Também o que o homem cria obedece a tais leis ditadas pela natureza, embora se encontrem, ao mesmo tempo, sob a ação de normas artificiais criadas pelo homem. Natureza e Norma, Liberdade e Arbitrariedade regem a existência do ser humano e a arte dos povos. Por isso, a descrição da música do globo deve ser precedida por um esclarecimento de tais leis ou regularidades. Para compreender a música de outros povos, deve-se tentar entrar no seu ambiente, para ouvi-la com os seus ouvidos. Isso significa que não se deve apenas colecionar e comparar melodias e instrumentos, mas sim tentar compreender o que a música significa para os outros povos. A música precisa ser compreendida no contexto da cultura. Antes de tratar da música do globo, portanto, Fritz Bose apresenta no seu livro as diferentes noções e funções da música dos povos e uma análise das leis naturais e artificiais da estruturação ("Gestaltbildung"); numa obra posterior então ele daria uma visão descritiva dos estilos nacionais e de sua história. Haveria portanto dois aspectos, um comparativo e um descritivo. O livro está organizado em 5 capítulos e um capítulo com considerações finais. O primeiro capítulo é dedicado à tragetória e ao objetivo da etnologia musical. O segundo capítulo traz o título "O Homem e a Música", e trata dos seguintes pontos: a posição da música na cultura, vínculos funcionais, formas da vivência musical, expressão e valoração estética, música e sociedade, técnica da transmissão. O terceiro capítulo trata dos "Estilos Sonoros". Os seus pontos são: sonoridade da voz e estilo de execução, diferenças herdadas das diversidades da voz, colorações sonoras e ideais sonoros, instrumentos como produtores de som e aparelhos musicais, polifonia como fator de estilo sonoro. O quarto capítulo é dedicado à melodia e ao rítmo. Trata da construção motívica, melódica, estrófica, da rítmica e métrica, dos fundamentos da formação estilístico-musical, dos estilos instrumentais e vocais, do problema linguagem-música. O quinto capítulo trata do sistema tonal e das escalas, com os seguintes pontos: melodia e escala, fórmulas estruturais como substrato da melodia, princípio de distância e consonância como fatores da formação da tonalidade, sistemas tonais e formação de escalas, modos e tipos. Como os Srs. vêem, os assuntos tratados neste livro dizem respeito a problemas que serão estudados, segundo o nosso procedimento interdisciplinar, na matéria Estruturação Musical. Por isso, o mais importante nos parece aqui o capítulo final de Fritz Bose, no qual trata da relação entre as disciplinas "Etnologia musical" e Musicologia. Segundo ele, a Etnologia Musical difere da antiga Musicologia Comparada, pois esta teria sido demasiadamente orientada segundo uma concepção histórico-evolucionista. Questões históricas não estariam excluídas da Etnologia Musical e resultariam do próprio material. A História da Música poderia utilizar os resultados da Etnologia Musical, mas não deveria vê-los exclusivamente como expressões de uma Pré-História ou Arqueologia musical. Vejam aqui uma advertência que muito bem caberia às hipóteses dos diferentes estágios, muito posteriories, de Bruno Nettl! Os complexos de problemas da Psicologia dos Povos, da Sociologia e da Antropologia tratados na Etnologia também devem ser considerados no estudo da música dos povos. A "Etnologia Musical" de Bose não seria portanto uma nova edição da "Musicologia Comparada", mas uma disciplina que a englobaria. Ela estaria mais próxima da Etnologia Geral e representaria uma ciência independente, situada entre a História da Música e a Etnologia. Ela teria saído da sombra sob a qual até até então teria estado como ciência auxiliar da História da Música. Ela teria uma nova posição com relação à Musicologia. Um dos pontos de contacto seria a pesquisa do folclore musical europeu, que seria um campo que pertenceria à História da Música da Europa. Os métodos da Etnologia Musical não poderiam ser empregados diretamente no estudo do Folclore Musical europeu, todavia, as questões e os objetivos seriam semelhantes. De grande importância para nós é a crítica que Fritz Bose faz de que até então os especialistas quase que só se teriam interessado por uma música "pura", autóctona, deixando de lado todo o processo de contactos e transmissões de bens culturais. Na realidade, não existem culturas que nunca receberam influências, assim como não existem situações culturais pré-históricas em transmissão direta, pois tudo o que é vivo encontra-se num processo de transformação. A Etnologia Musical interessa-se também por fenômenos musicais que não são originais ou primitivos. Ele ressalta o que é importante para nós que na música indígena da América Latina se fundiram muitos elementos e instrumentos dos colonizadores e que fazem agora parte da cultura popular indígena. Aliás, nos exemplos musicais, Bose inclui um canto de dança dos índios Tucano, gravado por Koch-Grünberg. O livro de Fritz Bose apresenta, portanto, muitos aspectos dignos de serem estudados com profundidade e que serão feitos aqui e sobretudo na disciplina Estruturação Musical. O maior problema é, porém, de natureza lógica nas suas propostas relativas à distinção das ciências. Ele considera, nas suas críticas, História da Música e Musicologia praticamente como sinônimos, o que é um absurdo, ou fruto infeliz de desenvolvimentos unilaterais. A Musicologia é a ciência geral, na qual diversos métodos podem e devem ser utilizados. É claro que a música pode ser tratada dentro de outras ciências, por exemplo, da Etnologia, o que corresponderia a uma Etnologia da Música. Falar porém de Etnologia musical, ou seja, qualificá-la adjetivamente como musical coloca outros problemas conceituais e filosóficos. Em todo o caso, a divisão proposta por Bose não pode ser por nós assumida, uma vez que seguimos, nesse Instituto, uma outra distribuição das matérias.
Aula do curso de Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, 1972. Publicada em partes no livro BrasilEuropa & Musicologia, ed. H. Hülskath, Köln: I.S.M.P.S. e.V. 1999, 125-130. ©Todos os direitos reservados
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