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ESTUDOS SÓCIO-CULTURAIS: BASES PARA A PESQUISA DAS CORPORAÇÕES MUSICAIS (1973)
Antonio Alexandre Bispo
Nesta conferência vamos tentar lançar as bases para uma área de estudos até hoje pouco considerada no Brasil: a da pesquisa das bandas de música. Vamos procurar demonstrar que esta pesquisa tem um interesse não apenas para o aumento do nosso conhecimento a respeito da cultura do nosso povo em geral e da música em particular, mas também para a ação consciente político-cultural de apoio e fomento da iniciativa particular. Achamos que este tema seria de particular interesse para este centro do Serviço Social do Comércio, uma vez que é o comércio que sobretudo manteve e mantém grande parte de nossas corporações musicais. Os nossos músicos de banda sempre lamentam a falta de subvenções governamentais suficientes, o que parece manifestar um pouco interesse perante a prática amadorística da música. Apesar disso, muitas delas possuem escolas de música de muita procura, demonstrando um extraordinário esforço particular pelo ensino e pela prática da música, empenho este que deveria ser valorizado e apoiado. Os estudiosos podem e devem contribuir à valorização deste trabalho, revelando, através de pesquisas e estudos, a importância que as bandas de música possuem e o papel que exerceram e exercem no país. Para isso, porém, temos necessidade de dados seguros e de observações da realidade que permitam a construção de um edifício de conhecimentos e a elaboração de critérios adequados de avaliação. Temos a necessidade, em primeiro lugar, de uma visão geral da situação das bandas de música nas várias regiões do país, dos seus mestres e músicos, dos seus repertórios, de sua história e seus problemas atuais e, sobretudo, do papel social e cultural desempenhado pelas corporações nas respectivas localidades e regiões. Nessa conferência vamos apresentar alguns resultados de levantamentos realizados, em janeiro e fevereiro de 1972, em bandas de música de localidades do litoral do Rio de Janeiro, do Espírito Santo, da Bahia, de Sergipe e Alagoas. Trata-se, certamente, da primeira grande tentativa de um estudo sistemático das bandas de música brasileiras a nível nacional, ou melhor, supra-regional. Em primeiro lugar, porém, cumpre salientar que, para sermos justos no nosso procedimento, precisamos abandonar, ou melhor, relativar os parâmetros que determinam o nosso próprio universo musical. Nossa perspectiva, analisada de "fora", apresenta aspecto singular: é definida, fundamentalmente, pelos vultos e obras dos grandes compositores do passado europeu. Apesar dos esforços de nossos músicos renovadores, vivemos num ambiente musical onde os "semi-deuses" da arte permanecem na sua grandiosidade de imortais. O grande público da música erudita é, ainda, o público dos "grandes mestres". O passado, aqui, renovado continuamente em cada interpretação, vive e se torna quase que independente do tempo. O apreciador de música, o ouvinte, não tem, primordialmente, interesse numa ilustração da história da música, mas sim vive uma música "eterna", desligada do espaço e do tempo. Os grandes compositores perdem as suas características humanas, de homens compreendidos no processo histórico, transformando-se em verdadeiros postulados em nossos programas de concerto e conservatórios. O universo musical de nossos músicos "eruditos" populares, porém, é totalmente diverso. Na sua quase totalidade, pouco ouviram falar dos nossos alicerces básicos, Bach e Beethoven. O único compositor de um passado mais remoto e não local ainda lembrado, com seus retratos espalhados pelas paredes de quase todas as sedes de bandas, é A. Carlos Gomes. Mesmo assim, dentro da nebulosa concepção de passado do nosso homem do povo, é êle visto como uma espécie de bisavô dos mestres, um antigo compositor de dobrados e do Il Guarany, este quase sempre presente nas estantes. Nas bandas visitadas, poucos souberam dar dados mais precisos a respeito do compositor campineiro, que não poucas vezes se transformou em baiano ou capixaba. Assim, o saxofonista Ivan Serra, da banda musical "Oliveira Filho" de Conceição da Barra, achava que ele era "o Nado não sei de quê, que deu o nome da banda". Ocorrem, é verdade, nomes famosos de compositores europeus na prática musical de muitas de nossas filarmônicas. Trata-se geralmente de autores de óperas. Esse fato ocorre em maiores proporções nas cidades de grandes possibilidades de intercâmbio com as capitais. É o caso das bandas de várias cidades do Estado do Rio de Janeiro, como a extraordinária "Sociedade Musical Nova Aurora" de Macaé, possuidora de um rico acervo de obras de Cimarosa, Rossini, Verdi, mas também de valsas de J. Strauss e até mesmo de obras de F. Mendelssohn-Bartholdy. Também encontramos muitas obras "clássicas" nas bandas ao redor de Salvador, como nos arquivos da "25 de março" de Feira de Santana e das filarmônicas de Cachoeira de São Félix e Santo Amaro da Purificação. Às vezes, porém, os músicos não conhecem os autores dessas músicas "clássicas" que executam. Classificam-nas em geral com o nome genérico de "músicas de harmonia". No presente, o maior contacto das corporações com as capitais é realizado com a fábrica de instrumentos Weril de São Paulo, cujos catálogos podem ser encontrados até mesmo em distantes localidades. Também determinadas editôras e lojas de música são responsáveis pela grande divulgação de composições de determinados compositores, tais como de Ubaldo de Abreu e de Antonino do Espírito Santo. Tal fato demonstra a importância do comércio neste tipo de prática musical. A mistura está feita: o universo no qual devemos procurar entrar é determinado pelas obras "de harmonia", por composições de autores da região, músicas de ilustres mestres já falecidos, composições compradas ou emprestadas de outras cidades, e arranjos de marchas famosas realizados por músicos locais. Também precisamos salientar que o conceito de valor, de originalidade, de propriedade e de direitos autorais muitas vezes difere do nosso. Várias vezes encontramos temas de marchas conhecidas ou de músicas populares apresentados como legítimas criações. Lembramos aqui, por exemplo, da "Marcha N° 2" de Agapito Catarino da França, e de composições de Jalmeriz Pinheiro. Naturalmente, nesse caso, não existe a preocupação pelo plágio e, quando acontece, é feito inconscientemente, na honestidade e simplicidade do homem do povo. Por outro lado, porém, o sentimento de propriedade é bem aguçado quando se trata de composição ligada a determinada corporação ou localidade. Muitas rivalidades surgiram e surgem motivadas pelo roubo de peças. Foi possível observar, na área pesquisada, tipos diversos de liderança nos vários mundos musicais das localidades e regiões. Em zonas de franca decadência musical, como é o caso do Recôncavo baiano, os grandes mestres, sempre ainda lembrados, são já falecidos, ilustres vultos que pendem das paredes das sedes, vidas e obras inspirando o presente. Nas regiões onde as corporações ainda exercem plenamente a sua função social, os mestres considerados como "grandes" são vivos e continuam a escrever continuamente. Tentamos definir melhor esses vários universos musicais levantando os principais nomes do passado e do presente que surgem como líderes ou vultos exemplares. Tentamos constatar o raio de sua influência, através das composições e arranjos encontrados nos arquivos das bandas. Com base nesses dados, podemos esboçar um esquema das várias esferas de influência, o que nos permite uma espécie de mapeamento capaz de nos auxiliar em futuras pesquisas mais detalhadas. O método utilizado não foi o historiográfico, a partir do estudo das fontes e dos documentos. Partiu-se não do passado para o presente, mas sim do presente para o passado, ou seja, da memória viva, dos vultos cultuados e lembrados. Com isso, partimos da tradição e o que nos interessa é detectar as personalidades que determinam a consciência própria e a auto-estima cultural das várias comunidades. É a partir daí que deveríamos dar início ao trabalho de apoio e fomento. Vamos aqui apenas citar alguns nomes e obras que desempenham papel relevante nas cidades e regiões pesquisadas. Partimos dos mestres de hoje, ou seja, dos líderes ainda vivos. A seguir, vamos tratar de alguns dos nomes dos mestres de ontem, ou seja, dos "mestres dos mestres". Entre os mestres vivos na atualidade, encontramos alguns já de idade avançada. São eles vistos, em geral, como o esteio das corporações e muito se teme que, com a sua morte, a prática musical desapareça. Essa situação parece-nos típica de localidades com a vida musical em decadência ou em fase crítica na própria consciência de seus habitantes. Vamos citar, como exemplo, um nome de importância no Norte do Espírito Santo, Adolpho Serra, "maestro-regente" da "Banda Musical Oliveira Filho" da cidade de Conceição da Barra. Foi ele primeiro escrivão do cartório "Adolpho Barbosa Serra" daquela comarca, cargo hoje ocupado por seu filho Humberto Oliveira Serra. Tendo dedicado grande parte de sua vida à banda musical, é até hoje respeitado e admirado pelos músicos como o alicerce da entidade. Segundo um informante, "todos ficam só por êle". Já de muita idade e doente, Adolpho Serra passa quase todo o tempo em Vitória, ficando a direção da banda a cargo do seu filho Humberto. Nessa tradição familiar, continua-se a executar algumas das principais composições do velho mestre, entre as quais a "Marcha Nossa Senhora da Conceição", tocada sempre na festa da padroeira da cidade. Sobretudo as valsas de Adolpho Serra são lembradas, despertando nos músicos e habitantes saudades dos velhos tempos. Entre elas, citamos as valsas "Conceição da Barra", "Luiza de Abreu, "Itaunas", "Saudades de Argentina", "Expansão da Dor" e, sobretudo, "Perfume de Violeta". Esta última criou um verdadeiro anedotário. Dizem que o compositor a escreveu para a sua amada e, como isso sempre dava ensejo a gracejos, escondeu-a. Desde a nossa visita, mantemos contacto epistolar com músicos de Conceição da Barra. Segundo as últimas informações, de 15 de julho de 1972, Adolpho Serra já está "com a memória bastante enfraquecida, umas das razões pela qual o movimento da Banda tem estado um pouco paralisado; logo após as suas melhoras continuará as suas atividades, pois é uma das alegrias do nosso povo". Do litoral da Bahia, precisamos salientar Silvino Baptista Santos, atual mestre da "Filarmônica XV de Setembro" da cidade de Belmonte. Tendo aprendido música em Feira de Santana, na "Filarmônica 25 de Março", com Estevão Moura, com quem estudou também harmonia, continuou o seu aprendizado nas cidades de Nazaré das Farinhas e Santo Antonio de Jesus. Além de conhecer grandes mestres de Feira de Santana, tais como Armando Nobre e Tertuliano Santos, Silvino estudou com Antonio Braga, Antenor Bastos e João Azevedo. Ao lado da música, trabalha como sapateiro, tendo a sua sapataria montada atrás da filarmônica que dirige. Para ele, porém, essa profissão serve apenas como "quebra galho", pois vive, na verdade, da música. Silvino Santos vende as suas composições em várias cidades da Bahia, tendo numerosos contactos em várias regiões. Citamos agora um mestre de Salvador, Agapito Catarino da França, regente da "Filarmônica Carlos Gomes" e responsável pela parte musical profana das festas de Nosso Senhor do Bonfim. Esse mestre orgulha-se de ter sido aluno de Heráclito Guerreiro, famoso mestre de Maragogipe. Começou a aprender música em São Felipe e continuou com o aprendizado em todas as cidades por que passou. Foi assim discípulo de Ademar Gusmão, Estevão Moura, João Azevedo, Antonio França. Já os nomes por êle citados dão pontos de partida para futuras pesquisas e para a determinação da esfera, do universo músico-cultural em que vive. Assim, Antonio França é citado como um famoso professor e compositor de Cruz das Almas, antigo mestre da "Sociedade Filârmônica Lira Popular" de Belmonte. Dele é lembrado sobretudo um grande dobrado oferecido a Getúlio Vargas, o "19 de abril". Obras suas puderam também ser encontradas na "25 de Março" de Feira de Santana, tais como a Marcha oferecida à Euterpe Nazarena, a Marcha "Dona Enedina", dedicada a José Lavarés e que traz como data o ano de 1939. A "Filarmônica Carlos Gomes" do Bonfim executa várias obras suas, entre as quais um admirado "Dobrado Roxo". O mestre Agapito Catarino da França impressiona pela responsabilidade com que encara o seu trabalho e pela consciência em manter viva a tradição e a memória de seus mestres. Da sua própria pena, porém, tem apenas pequenas peças a apresentar. Frequentemente executadas são as suas Marchinhas N° 1, N° 2 e N° 3, os seus Maxixes N° 1 e 2, alguns Sambas e sobretudo o seu Dobrado N° 7. Vários outros nomes poderiam ser acrescentados na caracterização desse mundo próprio das bandas de música da Bahia. Entre os mestres mais idosos ainda presentes na memória dos músicos citamos Antonio Soter de Barros, de Santo Antonio de Jesus, talvez o mais idoso dos mestres baianos, com mais de oitenta anos, ainda lembrado pelos músicos da "Filarmônica Vitória" de Feira de Santana. Outro nome vetusto é o de Antonio Luz, grande mestre de Santo Amaro da Purificação, hoje muito idoso e paralítico, mas cujos dobrados e valsas, entre eles o dobrado "3 Irmãos" e a valsa "Izaura Borges" ainda são executados pela "Lyra dos Artistas" de Santo Amaro. A "25 de Março" de Feira de Santana mantém ainda o seu "Passo doble José Pires de Carvalho Albuquerque" no repertório. Aliás, esta corporação mereceria uma especial menção. Fundada em 1868, a tradicional "25 de Março" está hoje sob a responsabilidade de Claudemiro Dalto Barreto, vulgo "Miro", que, depois de 35 anos como instrumentista, assumiu a sua regência há 7 anos. Natural de Feira de Santana, Miro foi aluno de Estevão Moura, "o muito amigo, irmão e professor", tendo-o educado na execução do trompete, pois "tocava muito alto". A sua formação básica foi adquirida em Sergipe, na cidade de Buquim, com um músico chamado de Zeca Laranjeiras. Assim, as peças que compõe para o clube local, a que chama de "brincadeiras", são, na sua maioria, frevos, entre eles, "Parece, mas não é", "Pisa macio", "Sururú", "Os bodes", "Frevo na lua", "Amigo da onça", "Tudo azul", "Museu de cera" e "Agachando". Escreveu as marchas "Vem amor" e "Vou brincar na Micareta" e os dobrados "Claudemiro Filho", "Verde-amarelo", "Recordação" e "Estevão Moura". Dois músicos menores de Santo Amaro da Purificação podem ainda ser lembrados. Um deles é Miguel Rodrigues, saxofonista da "Lira dos Artistas", também compositor e professor. Da sua obra, o atual presidente, João Borges, faz questão de salientar o dobrado "Amaro Falcão", recém composto. O outro é Oswaldo de Assis, pistonista e professor de música, atual mestre da "Lyra dos Artistas". A respeito da sua obra, o atual presidente diz que está, no momento, um tanto "fracassado" e retraído. O vínculo musical entre o Recôncavo e Sergipe e Alagoas fica particularmente evidente na carreira de João José do Nascimento, atualmente alfaiate e mestre em Maragogipe, onde procura levantar a filarmônica "2 de Julho". Estudou em Propriá com o mestre Lauro do Carmo, atuando em diversas localidades, principalmente em Estância, Alagoinhas e Cachoeira de São Félix. No seu tempo, conta com orgulho, a cidade de Estância atingiu um alto nível musical, chegando a possuir três filarmônicas. Chegou a ser contramestre da "Banda Industrial de Propriá". Entrentanto, resolveu "fundar um jazz e caiu na orgia". Compôs muito, mas tudo se perdeu numa trágica viagem de barco, quando a maré carregou todo o seu arquivo. De Sergipe, podemos citar José Oliveira Neto, Aracajú, cuja marcha "Guiomar Barreto" é executada pela "Filarmônica Coração de Jesus", de Laranjeiras. Talvez uma das figuras mais impressionantes dos mestres ainda vivos de Sergipe é Joaquim José de Santana. Nascido em 1901, foi músico da "Euterpe Maruinense" desde 1918, transferindo-se depois para a Banda da Polícia de Aracajú. Seus professores foram Luís de Barros Montesanto, de Divina Pastora, Lauro Carmo e Ceciliano Avelino da Cruz, de Aracajú. Em 1935, por decreto-lei do prefeito Cornélio Gonçalo Roembergue Prado, foi nomeado professor municipal de música de Maruim. O seu primeiro serviço foi instrumentar uma missa de um compositor alemão. Quando foi convidado para assumir a regência da banda de Maruim, dirigiu-se ao seu último professor, Ceciliano (Avelino da Cruz), pois sentia-se pouco seguro. Este, porém, incentivou-o, prometendo apoio: "Ora, Santana, você pode tomar conta da música de dois Maruins e depois disso, se você encontrar um bicho cabeludo que sua navalha não raspe o cabelo, você traga o bicho aqui, que eu tenho boas navalhas, raspo o cabelo do bicho e você assina como se fosse seu". Para terminar esta listagem de alguns de nossos mestres vivos, vamos citar alguns nomes de Alagos. Em primeiro lugar, lembramos de Anizio da Silva Pinto, tenente aposentado e contramestre da "Sociedade Musical Francisco Carvalho Pedrosa" de Coqueiro Sêco, em Alagoas. Também dele temos sobretudo dobrados, como o "Dois goles, uma queda" e peças em rítmo de dança, como o bolero "Paixão de Homem". Lembremos, por último de Braúlio Moreira Pimentel, mestre e fundador da "Banda José Plech Fernando", de São Miguel dos Campos. De tradicional família de músicos do povoado de Sebastião Ferreira, aprendeu música, a partir dos 13 anos, com o próprio pai, o maestro e compositor José Moreira Pimentel Filho. Este, por sua vez, também estudara com o próprio pai. Bráulio é um afamado autor de frevos, inclusive de letras. Só em 1971, compôs os frevos "Deixa pra mim", "Nova orquestra", "Pode pedir bis", "A copa 70", "Eu sou tubarão" e "Frevinho". Em janeiro de 1972 compôs os frevos "União musical", "16 de dezembro", "Milton Leite", "Noites de maratona", "Turma do mela-mela", "Viva a turma do Légua", "Sapo Cururu" e "Ainda pode pedir bis". Curiosas são os seus frevo-canções, tais como "Recuerdo", com letra de João Zacharias de Oliveira, e "Eu sou". Só muito recentemente começou Bráulio a escrever música "sem ser de brincadeira". Trata-se dos dobrados "Júlio Soriano Bonfim", "Eliseu Marques de Lima", "Geraldo Sá", "José Quintella" e "Coronel Pereira". Este último, no momento da pesquisa, estava ainda incompleto, faltando-lhe a instrumentação. De Alagoas vale a pena ainda citar Manoel Leandro Simplício, mestre da "Sociedade Musical Professor Francisco de Carvalho Pedrosa" de Coqueiro Sêco, nos anos sessenta. Atualmente, é mestre da banda do Colégio Industrial de Maceió. Sua principal composição é o "Hino da Padroeira Nossa Senhora Mãe dos Homens", executado anualmente em Coqueiro Sêco. Vamos considerar agora alguns dos mais famosos "mestres dos mestres". Em primeiro lugar, devemos lembrar do nome de Antenor Bastos, compositor de Cachoeira de São Félix, filho do famoso mestre Tranquilino Bastos. De sua lavra encontramos numerosas peças fúnebras, dado o hábito de, até há pouco tempo, as bandas acompanharem enterros de sócios e familiares. Obras suas são ainda executadas pelas duas corporações de Feira de Santana. A "Sociedade Vitória" conserva o "Hino Municipal", os dobrados "Rei Guilherme", "Severo", e as marchas fúnebres N° 11, 16 e 32, além do "Funeral n° 10". A "Sociedade 25 de Março" mantém a sua "Fantasia Magnólia" e a Marcha N° 111, denominada de "Moslova". Também a "Lyra dos Artistas" de Santo Amaro da Purificação conserva a sua memória, dele executando o "Raio de Ouro" e a "Fantasia Quo vadis". Um outro aluno de Tranquilino Bastos é Ozório Marcelino de Oliveira, músico da Polícia de Salvador e que viveu muitos anos em Santo Amaro da Purificação. Dele merece especial menção a "Fantasia Força do Amor". Em Santo Amaro ("Lyra dos Artistas") encontram-se as marchas "Virgem das Pérolas", "Almas irmãs", "Ricardina", Esterlina", "Anita" e a valsa "Augusta". Também de Cachoeira precisamos salientar Irineu Sacramento, autor do "Hino a Cachoeira", cujos primeiros compassos acham-se pintados na sede da "Sociedade Orpheica Lira Ceciliana". De Feira de Santana, um dos mais lembrados músicos do passado é Antonio Tertuliano dos Santos. Ele foi regente da "Vitória" durante mais de 20 anos, passando depois, quase antes de morrer, por motivo de desentendimentos, para a "25 de Março". Poucas são as músicas que trazem o nome completo desse mestre. Ele assinou-as como A. T. Santos, A. Tertuliano, A. Santos e até mesmo Santos. É natural, portanto, que surjam casos duvidosos. No arquivo da "Sociedade Vitória" encontram-se as valsas "Regina Santos" e "Anna Fernandes", a "Polaka Adélia Victoria" (só assinata por T.S.), os dobrados "José Froes", "Gociosinho", "Assis Govaza", "Alfredo Cardoso", "Maneca Ferreira" (só assinado por Santos). Do acervo da "25 de Março" faz parte o dobrado "João Martins". Outro músico muito lembrado de Feira de Santana é Armando Nobre, mestre da "Sociedade Filarmônica Euterpe". Segundo o atual regente da "25 de Março", Miro, este compositor "escreveu demais...mais de mil...", de modo que "as partes melódicas confundiam-se umas com as outras", êle "esgotou o cérebro", de modo que as suas peças pareciam umas com as outras. Dele, no acervo da "25 de Março", encontramos a "Fantasia Alma Redentora" e marcha "Leda Silva" e a marcha concertante "Lydia Borges". Em Santo Amaro da Purificação, no arquivo da "Lyra dos Artistas", encontram-se dois dobrados, o "Antonio Vasconcellos" e o "Recordação de Nilbela". O maior vulto de Feira de Santana foi, entretanto, na opinião de quase todos os mestres da Bahia, Estevão Moura. Foi quem "deu vida" à "Filarmônica 25 de Março", estando à sua frente de 1932 a 1951. De sua numerosa obra, salientamos a "Grande Fantasia de Concerto Conto de Fadas", orgulho dos músicos da "25". No arquivo da "Sociedade Musical Vitória" encontramos os dobrados "Tusca", "Ouro Preto", "Pedro Matos Barbosa". As suas composições foram muito divulgadas, mesmo fora da Bahia. Na "Filarmônica Coração de Jesus", de Laranjeiras, em Sergipe, encontramos a marcha para procissão "Núbia" e o dobrado "Verde e branco". Além do mais, Estevão Moura foi regente da orquestra e coro da Igreja de Santana em Feira de Santana, onde algumas de suas composições ainda são executadas na época das festas da padroeira. A sua "Novena" para coro e orquestra era tão comovente que, no dizer de Miro, o próprio compositor chorava ao ouví-la. Dele, o arquivo da "25 de Março" guarda um "Domine ad adjuvandum". É, portanto, um mestre que mereceria um estudo mais demorado, pois foi mantenedor da tradição coro-orquestral da música sacra. Dos músicos menores de Feira de Santana, vale ressaltar J. Camelieu, tenente da polícia local e já há muitos anos falecido. A sua marcha "Sons da Minerva" ainda é conservado no acervo da "25". Outro famoso músico da região foi Heráclito Guerreiro, de Maragogipe, regente da "Filarmônica Terpsícore" daquela cidade. Apesar de simples percussionista, na informação de João José Nascimento, foi renomado compositor, podendo-se encontrar obras suas em diferentes cidades e regiões. Assim, anotamos um dobrado "Albino Souza" na "Lyra dos Artistas" de Santo Amaro da Purificação, a marcha "Maria Angélica" e os dobrados "Marco Bahia", "Renato Bahia", "O Kaiser" e "Aurino Filho" em Feira de Santana, e, em Alagoas, um dobrado "Filoca Santa Anta" na "Filarmônica Coração de Jesus" em Laranjeiras, um dobrado "2X0" na "Sociedade Musical Francisco de Carvalho Pedrosa" em Coqueiro Sêco. Os únicos músicos do Recôncavo ainda lembrados que estão citados na bibliografia histórico-musical são Miguel dos Anjos de SantAnna Torres e Domingos Machado. Os seus nomes podem ser encontrados na Storia della musica nel Brasile de V. Cernicchiaro. Miguel dos Anjos é lembrado como grande executante de oficleide e autor da "Novena de Nossa Senhora da Guia", executada anualmente na Basílica do Bonfim, obra datada de 1892. Segundo o regente Walter Boaventura, Miguel dos Anjos foi também autor de "lindos dobrados". Domingos Machado, que foi também farmacêutico, conhecido apenas como Domingos, é autor da "Novena de Nossa Senhora da Purificação", executada anualmente na matriz de Santo Amaro. Do sul da Bahia, uma figura de particular importância como "mestre dos mestres" é Cláudio Hortênsio da Silva. Suas obras podem ser encontradas em quase todas as filarmônicas. Segundo o contramestre da "Lira Pradense", da cidade de Prado, Pedro Rodrigues, Cláudio Hortênsio foi funcionário da estrada de ferro. Com a extinção do ramal de Caravelas, abandonou a cidade e não se soube mais do seu paradeiro. A "Lira Pradense" guarda as seguintes peças de sua autoria: as marchas "Nossa Senhora da Ajuda", "Nossa Senhora de Lourdes", "Senhor do Bonfim", "São Jorge", os dobrados "Wanderley Borges, "13 de junho", "Lyra Conceição", "Manoel Ferreira dos Santos" e a valsa "Esperança". De Caravelas, ele trouxe para essa cidade os dobrados "João Celestino" e "Antenor G. de Assis". Na "Lyra Santo Antonio", de Caravelas, encontram-se os dobrados "Liry Santo Antonio", "Sonhos de outono" e "Netuno". Outro mestre da "Lira Pradense" foi Oswaldo B. SantAnna, precursor do último mestre, Eduardo Bonfim. A sua fama permanece viva de excelente músico, que tocava todos os instrumentos da banda. De sua autoria, é executado ainda o dobrado "Fazenda Pau Brasil". Na avaliação do trombonista local Antonio José da Rosa, "a música do Oswaldo é melhor que o Cláudio, pelo menos a música dele é ritmada, cantante". De Porto Seguro, precisamos salientar Pedro Sérgio de Moraes, mais lembrado como Pedro Inhac. O seu aluno, Manoel Dias da Silva, já hoje com 62 anos de carreira de pistonista, considera-o como um dos raros "clarineto de verdade" que encontrou na vida. De sua autoria, encontramos na sede da banda de Porto Seguro o dobrado "Porto Seguro" e a "Polaka Estephania". De uma geração mais nova é Antonio Adueno da Silva, vulgo "Caneta", membro da antiga "Filarmônica Lira dos Artistas" de Porto Seguro, antecessora da "22 de Abril" e da atual "2 de Julho" (1949). Segundo o atual mestre Alício Borges da Silva, "Caneta" era músico completo: "Tocava qualquer instrumento até pelo nariz e escrevia direto da vitrola com a caneta", de onde veio o seu cognome. Dele executa-se ainda o dobrado "O Rei do mar". De Sergipe, vale citar Ceciliano Avelino da Cruz, regente da Polícia de Aracajú e renomado professor. Dele encontramos uma "Valsa infantil" na "Filarmônica Coração de Jesus" em Laranjeiras e o dobrado "Lilia" na "Euterpe Ceciliense" de Penedo, este datado de 1922. Também o nome de José Machado dos Santos, da mesma forma membro da Polícia de Aracajú, é lembrado por vários músicos. A "Filarmônica Coração de Jesus" de Laranjeiras guarda o seu dobrado "4 Tenentes". O mestre do atual mestre da "Euterpe Maruinense", José Alfredo Meirelles, foi João Prado, um músico que ainda está vivo, mas com muita idade, vivendo só em São Cristóvão. Costuma assinar as suas composições de trás para a frente: P. Odarp B.J., ou seja: João B. Prado. A banda de Maruim guarda as seguintes peças de sua autoria: dobrados "João Prado" e N° 6, valsas "Verinha" e "1° de janeiro°, um samba e um bolero. De Alagoas, citamos em primeiro lugar Manoel da Silva Wanderley, maestro e professor de música de Santa Luzia do Norte e patrono da "Sociedade Musical Professor Wanderley". Ele é venerado pelos músicos e habitantes dessa localidade. Dados a seu respeito puderam ser obtidos graças aos esforços de memória de Dna. Rita Rodrigues Pedrosa, que foi sua aluna de flauta. Segundo a informante, o Professor Wanderley morreu pouco antes do seu casamento, mais ou menos em 1933, a 21 de outubro. Já era bem velhinho, tendo sido professor de seus pais. O seu pai tocava clarineta e a sua mãe flauta e o Prof. Wanderley violino na orquestra da igreja. "Era quase preto...morreu velhinho, decadente e pobre... minha avó contava que êle aprendeu música fazendo um bandolim...na época tinha outro professor famoso... Prof. Gitahy". No caderno de flauta que pertenceu à sua mãe, conservaram-se as seguintes peças de Manoel da Silva Wanderley: valsas "Coração que fala", "Carvalho", "Dorme", "Pagan", e, como duetos, "O Gemido" e 5 "Quadrilhas Imperiais". Todas as demais composições desse mestre, inclusive as maiores, missas, ladainhas, novenas, etc. consideram-se perdidas, uma vez que o atual mestre da "Sociedade Musical Professor Wanderley", Sargento Jalmeriz Pinheiro, diz zelar pela música moderna: "o arquivo está todo novo". Ao lado desse mestre deve ser citado Júlio Catarino, compositor e professor de Penedo, tendo também atuado em Santa Luzia do Norte. Figura quase lendária pela sua exagerada pontualidade, costumava, segundo a informação da citada Dna. Rita de Santa Luzia, quando a cerimônia religiosa (ou mesmo tocada) não obedecia ao horário previsto, tocar o seu trombone sózinho e ir embora. As suas obras estão em poder de Osmar Catarino, residente em Maceió. Muitos outros nomes poderiam ser citados. Vamos porém ficar por aqui, pois creio que já demonstramos que, com a esse levantamento, que cobriu vastas zonas do nosso litoral, foram lançadas as bases para a pesquisa sistemática das bandas de música no Brasil. Estamos conscientes, porém, que este é apenas um início. Já prolongamos o levantamento para o litoral sul e estamos, aos poucos, examinando a rede de contactos de mestres e instituições para o interior. Precisamos agora, sobretudo, mantendo a visão geral, de estudos mais detalhados de fontes. Já vários alunos da Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo estão pesquisando, sob a minha orientação, o histórico e o presente de bandas de bairros da capital e outras cidades de São Paulo. Gostaria de salientar, para finalizar, a questão metodológica. Precisamos, a meu ver, proceder de duas formas, como se percorressemos um túnel por dois lados: uma de trás para a frente, levantando os arquivos, as notícias em jornais etc., outra da frente para trás, através da entrevista com músicos e apreciadores do presente, como o demonstramos hoje. Do ponto de vista político-cultural, este último método é de fundamental relevância. O apoio e o fomento da iniciativa particular, no caso dessas corporações, devem servir à memória histórica das comunidades de cidades e regiões, pois é ela que dá sentido à própria prática musical. Como vimos, por todo o lugar há profundas relações familiares e de "parentesco espiritual", através dos elos entre mestres e discípulos, que garantem a continuidade dos esforços. Devemos tudo fazer para impedir que essa prática se torne anônima, ou seja, que perca a ligação com a própria tradição histórica nos diversos locais e regiões. Seria lamentável se, através de algum programa de incentivo, se destribuísse, por exemplo, um rol de composições por todas as bandas do país. Isso traria uma triste unificação dos repertórios. Não há nenhum interesse cultural apoiar a prática de música de banda atual em si e por si, independente do seu valor sócio-cultural local e regional, porque isso seria um anacronismo. Seria abusar das bandas civís como mero celeiro de futuros instrumentistas de sopro para bandas militares ou orquestras. Há, porém, muitíssimo interesse em apoiar a consciência histórica e comunitária das cidades e regionais, pois é ela que dá vida, fisionomia e personalidade às comunidades. Quando se faz concursos de bandas, por exemplo, não se deveria apenas avaliar a execução, mas sobretudo a inclusão prioritária de obras de autores próprios, do passado ou do presente. Subvenções governamentais a este tipo de iniciativa particular deveriam, a meu ver, serem guiadas por este princípio. E aqui o comércio desempenha um papel relevante, porque a unificação ou não do repertório se relaciona com a edição e a venda de partituras. Não se trata, nesta minha proposta, de provincializarmos o repertório das várias bandas, mas sim de mantermos os vínculos com a sua formação histórica nos respectivos locais e regiões. Os trabalhos dos mestres deveriam vir a ser colocados às mãos nas áreas onde atuaram ou estiveram presentes na memória daqueles que com eles estudaram. Em outras regiões, precisariam ser apresentados por meio de estudos que acompanhariam as partituras. Isso não traria uma uniformização, mas sim uma integração consciente. E aqui teríamos novas possibilidades para o comércio editorial no Brasil. Espero ter, assim, deixado claro o valor prático da pesquisa musical e a necessidade de que as iniciativas de apoio e fomento, quer governamentais, quer particulares, serem nela fundamentadas e justificadas.
Conferência no Centro Social "Mário França de Azevedo" do Serviço Social do Comércio, em 5 de junho de 1973. Baseada nos trabalhos realizados em 1971/72. BrasilEuropa &Musicologia, ed. H. Hülskath. Akademie BrasilEuropa/ISMPS 1999. ©Todos os direitos reservados
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