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MÉTODOS POPULARES DE ENSINO ESTUDOS CULTURAIS E EDUCAÇÃO MUSICAL (1973[1972])
Antonio Alexandre Bispo
Gostaria de salientar, em poucas palavras, a necessidade de pesquisarmos os processos populares de ensino musical e coreológico no Brasil. Muitas vezes estudamos as nossas manifestações populares sem levar em consideração que também elas devem ser transmitidas de geração em geração. Pouco se tem estudado o aprendizado das danças, dos cantos e dos toques por parte de nossas crianças e jovens, o que é feito em geral no âmbito das relações familiares ou comunitárias. Muitos de nossos folguedos possuem até mesmo um caráter nitidamente pedagógico, sendo praticado sobretudo por crianças. Outros, inicialmente de adultos, sobrevivem hoje apenas no folclore infantil. Para esta conferência, escolhi apenas um dos muitos aspectos da questão do ensino musical tradicional, um que é relativamente fácil de ser tratado, por estar muito próximo ao aprendizado escolar. Trata-se do ensino musical e da formação de instrumentistas nas bandas de música do interior. Iniciamos citando uma das raras publicações a respeito de nossas bandas de música, o livro Tradicionais Bandas de Música de José Pedro Damião Irmão (Jornal de Limeira, 421): "De valor extraordinário no alevantamento cultural do povo, na criação de escolas de civismo, na formação de músicos para nossas orquestras sinfônicas ou grandes bandas militares, é a banda de música o conservatório da maioria de nossas comunas". De fato, as bandas constituem, normalmente, os únicos centros de uma "erudição" musical nas pequenas cidades. Encarnam em sí toda uma tradição local ou regional, têem vida e lastro cultural próprios, organização e critérios artísticos particulares. Assim, quando nos dedicamos ao estudo da realidade da vida musical nas nossas cidades do interior, o primeiro caminho de pronto a se apresentar é o das bandas, o das filarmônicas do interior. Elas representam um fenômeno urbano, pois somente nas cidades e povoados existem condições financeiras e humanas para a vida de uma corporação. Na ignorância de habitantes da colmeia metropolitana, não supomos a quantidade de bandas que existiram ou ainda existem no interior do país. Como sempre, no desenvolver-se de pesquisas, novas portas se abrem. Assim, fica-se surpreendido com o número de compositores vivos e atuantes por todo o país. Nas nossas pesquisas, por um purismo insustentável, deixamos de lado as bandas militares, principais ligações das capitais com as filarmônicas do interior. Tal falha possui, entretanto, o seu lado positivo: o reconhecer da decadência das bandas pela perda da função social exercida no meio local. Enquanto diminum as pequenas corporações civís, aumentam as militares, alimentadas por instrumentistas atraídos pela possibilidade de viverem da música. Ao invés da substituição no cargo por outro músico da própria corporação que teria o seu aprendizado baseado na prática, os nossos músicos preferem confiar nos sargentos enviados das capitais. É toda uma tradição que se transforma, pois os novos mestres não possuem, normalmente, raízes na terra, não trabalham com a dedicação que só o amor a determinada atividade pode oferecer. O repertório avilta-se com composições comerciais, desprezam-se as composições dos velhos mestres e a filarmônica tem a sua cultura própria destruída. Por outro lado, as bandas militares constituem verdadeiros aglomerados de artistas do povo. De militares só tem, na verdade, a posição. Os componentes são escolhidos por concurso, dentre os bons músicos do interior, numa sugação periódica das corporações de amadores. As bandas militares constituem, assim, um rico veio para estudos da cultura popular. Obviamente não podemos dividir a experiência musical humana em compartimentos estanques: o que é arte de elite e o que é arte do povo. Existe, social e culturalmente, grande maleabilidade e contínuo intercâmbio de elementos. Muitas vezes, os "doutores", os grandes vultos de uma localidade, representantes de sua cultura, são elementos interessantíssimos no estudo das transformações contínuas de conhecimentos assimilados. Sob outro ponto de vista, já foi considerado "traço psicológico dominante" do brasileiro o gosto pela erudição, pela forma, o interesse por uma cultura escolástica, dogmática, verbalista (Fernando Azevedo in A Cultura Brasileira, V, 1). Realmente, é sintomático a existência de oradores "oficiais" na organização de muitas bandas, bem como a realização constante de assembléias com extensas atas. (...) Aspectos da Grafia Musical Hastes. A maioria dos músicos visitados anota as hastes das notas de forma diversa daquela que aprendemos. Em geral, colocam a haste do lado direito, quando ela é está para baixo, e do lado esquerdo, quando ela é dirigida para cima. Um dos mestres, Agapito Catarino da França, do Bonfim, diz que "tanto faz"; um outro, porém, Walter Boaventura, também de Salvador, diz que quem tem "letra fina" deve colocar a haste no centro da nota, em geral, porém, tanto faz; seria porém mais difícil ler uma nota com a haste colocada do lado direito. Em algumas bandas, como por exemplo na Filarmônica "Lira dos Artistas" de Santo Amaro da Purificação, encontramos até mesmo quadros e tabelas com a grafia de valores com hastes superiores e colchetes colocados do lado esquerdo. Também a pausa da semínima pode ser escrita como a da colcheia invertida. Poderíamos tentar uma explicação histórica para o fato, visto que a grande maioria das partes mais antigas encontradas nos arquivos também mostra esse tipo de grafia. Esse é o caso do "Credo Massiotte a 4 vozes, violinos, clarinettos, pistom, trompa, clarins, tímpano, trombono e violoncelo" encontrado em Penedo, com assinatura de Joaquim Natividade, de 1837. Nele observamos que as figuras que possuem haste para baixo (notas da terceira linha do pentagrama para cima) são escritas com hastes do lado direito, enquanto as que possuem haste para cima (escritas abaixo da terceira linha) apresentam haste do lado direito. O mesmo tipo de notação pode ser encontrado em numerosas obras, como na Ladainha do compositor Henrique Thomas, também de Penedo, já há muito falecido. Ele costumava grafar a colcheia com o colchete colocado sempre em direção oposta à cabeça da nota. Linhas Suplementares. Fato muito interessante e continuamente observado é o uso de linhas suplementares não horizontais. A princípio poderíamos entender o hábito como fruto de descuido ou pressa de um copista. O número de provas e a generalidade do fato nos obriga a considerá-lo como consciente. Históricamente, já encontramos linhas diagonais em praticamente todas as obras sacras investigadas do século XIX. Também a vimos na "Ouverture São Sebastião" de Porto Seguro, onde elas aparecem como traços verticais. O "Veni" de Manuel dos Passos, de São Paulo, mostra valores com linhas suplementares verticais até mesmo em grupos formados de semicolcheias. Muitas vezes, a própria cabeça da nota se confunde com um traço. Nesse caso, o resultado é um verdadeiro X. O Mtro. Silvino Santos, de Belmonte, traça de forma consciente Xs em lugar de notas com uma linha suplementar. Atualmente, a ocorrência de linhas perpendiculares à pauta parece realmente preponderar. A vimos, por exemplo, na marcha "Nossa Senhora de Lourdes" do compositor Cláudio Hortensio da Silva, de Prado, de 1962, ou na Marcha Solene "Louvares a Maria", em cópia de João Prado, de Maruim. Na grande maioria dos documentos analisados, somente as linhas que cortam as cabeças das notas (na clave de Sol o lá 4 e o do 5, o lá 2, o do 3) são diagonais ou verticais. Assim, temos uma possível explicação para o fenômeno: a facilidade maior de leitura, o que é bem exemplificado na obra "Anna Pares a 3", de Manoel Nunez de Barros Leite, composta a 26 de julho de 1857, em Penedo. Não devemos, entretanto, generalizar. Prova contrária temos no "Incensum" do citado Henrique Thomaz (1895). Torna-se, portanto, muito difícil uma solução. Enquanto muitos escrevem, hoje, de maneira por assim dizer antiquada, o "Ofício de Trevas consertados por José da Luz Passos", em cópia de 1897, de Alagoinhas, já traz a grafia normal. A verdade, entretanto, é que tal grafia faz parte de hábitos enraigados de nossos músicos de banda e de igreja, de Alagoas a Santa Catarina. Segundo um músico da igreja do Bonfim, seria "uma questão de estética"... Pausas. Observamos, no mesmo quadro didático de Santo Amaro da Purificação, o caráter vago da grafia das pausas de semibreve e mínima, muito comum em todos os nossos músicos, professores e copistas. Geralmente, os valores negativos de semibreve e mínima são representados igualmente, por meio de um tracinho horizontal. No "Credo Massiotte", na "Ladainha" de Henrique Thomaz e em várias outras obras mais antigas encontramos como pausa de semínima um traço horizontal com uma hasta descendente do lado esquerdo. Em várias obras paulistas, como no "Regina caeli" de A. Moreira, de Cunha, de 1865, ou em músicas de Manoel dos Passos ou Carlos Cruz encontramos apenas um sinal ondulado para a pausa de semínima. Em outros casos, aparece apenas uma espécie de gancho. Aspectos da formação teórica Solfejo. Nossos verdadeiros mestres populares são músicos no sentido pleno da palavra. É condição fundamental para um músico o saber solfejar e o povo tem consciência disso. Em Cachoeira de São Félix, o presidente da Sociedade Orfeica Lira Ceciliana, muito reservado com relação a paulistas, somente nos considerou após fazer com que cantássemos um trecho do "Hino a Cachoeira" de Irineu Sacramento, pintado numa das paredes da sala. Os mestres visitados demonstraram em geral sólida formação de ouvido e capacidade de notação. São músicos honestíssimos, como o Mtro. Silvino Santos, que se mostrou ofendido à mais leve alusão do uso de instrumento como auxiliar da composição: "...tem que tirar da mentalidade, isto não é do meu feitio..." E, de fato, compôs uma melodia na nossa frente. Também Pedro Celeaclá, de Uruçuca, à porta de uma Igreja Pentecostal, cantou-nos, de ouvido, todas as vozes de um coral que entoava um hino dentro do templo. Um saboroso fato guarda a memória do compositor Antonio Adueno da Silva, vulgo "Caneta". No tempo em que o compositor regia a Filarmônica "XV de Setembro" de Belmonte, houve uma "carestia" de novos dobrados. Nessa época, a banda rival, a "Lira Bonfim", recebeu uma novidade, o dobrado "Escovado". Enquanto a Lira ensaiava a peça, Antonio Adueno, do lado de fora da sede, "tirou" o dobrado de ouvido. No dia da tocata, a "XV" atacou o "Escovado" antes da Lira, com grande surprêsa de todos. O "pau quebrou" e o Caneta (daí o apelido), teve que fugir para Porto Seguro. (Contado por Josephino Bento Santos, presidente da Filarmônica "2 de julho" de Porto Seguro) Composição. "...eu tenho um pensamento...eu durmo com o papel na cabeceira da cama...quando eu tenho aquele pensamento, eu ouço aquela música... então eu venho e copio....depois vou corrigir, depois confiro os acordes e faço a música" (Agapito Catarino da França, Salvador). A composição, muitas vezes, é feita diretamente nas partes dos instrumentos. É o caso dos compositores mais novos, geralmente de peças menores, por ex. de frevos. Quando a música é mais elaborada, o compositor faz a parte geral e depois "tira" as partes individuais. "...eu faço a grade, tiro os acordes todos e faço a música...depois tira cada um as suas coisas..." (Agapito Catarino da França). O têrmo grade é conhecido e usado por quase todos os compositores e músicos visitados, com o significado de parte geral. A grade é usada exclusivamente para o ato de compor e depois de tiradas as várias partes é inutilizada ou guardade. A única grade encontrada nos arquivos das bandas foi a do dobrado "Sociedade Vitória" de Guilherme Conrado Santos, na Sociedade Musical "Vitória" de Feira de Santana. O mestre Agapito, ao contrário, declarou que guarda todas as suas grades. A grade poderia, talvez, ser vinculada ao uso da "tabula compositoria". "A este propósito, não deixa de causar certa surprêsa o fato de não terem chegado até nós, praticamente, partituras algumas do século XVI, pois é difícil acreditar que os autores de uma polifonia tão intricada compusessem, separadamente, cada voz e, ao mesmo tempo, as fossem analisando no seu conjunto. Por outro lado, seria de admitir-se que, se porventura tivessem composto o original em forma de partitura, da qual eram extraídas as vozes para a impressão, depois as tivessem inutilizado a todas elas, uma vez que nem uma só conseguiu escapar? O mais provável é que eles se tivessem servido de uma lousa, ou de um quadro de madeira, ou mesmo de um pergaminho lavável para compor, diretamente, a partitura donde se extraía, seguidamente, cada voz para ficar manuscrita ou ser impressa." (Nanie Bridgman, "Notação Mensural", in Enciclopédia Pleiade, 1. vol.) "...traça o papel, escreve a melodia, engrada e passa a limpo" (mestre Joaquim José de Santana, Maruim) O mestre Pedro Celeaclá, de Uruçuca, explica o funcionamento da grade. Na parte superior, escreve-se o canto e o contracanto; no centro, "encorda-se" a harmonia; no baixo, escreve-se a "marcação" e/ou baixo. Harmonia. "... Estevão Moura ensinava harmonia êle no piano e eu no clarineto...as resoluções..." (Silvino Santos, Belmonte). Não pudemos encontrar, entretanto, salvo esta declaração do mestre Silvino, referências ou mesmo algum piano nas sedes visitadas. Em geral, harmonia é sinônimo de música de banda. Assim, Pedro Celeaclá, de Uruçuca, afirmou: "...se sei harmonia? Claro... se já toquei em banda, já sei harmonia... agora, quando eu ensino, eu ensino pelos acordios de pontos..." A harmonia utilizada é simples. Segundo Waldomiro Ferreira da Costa, de Feira de Santana, "quem bota muita harmonia em música de banda, quebra a cabeça... às vezes, um acorde de sétima já complica". Nelson Marques Chaves, de Uruçuca, diz elaborar a harmonia "na base do contracanto", não seria bem "acordes", seria "concordância". Esta última declaração assume grande importância. A base da composição popular de banda parece ainda ser de fundo contrapontístico, pois os compositores pensam, antes de mais nada, na combinação de melodias. Forma. "Dobrado significa passo dobrado, cadência de 120" (Waldomiro Ferreira da Costa). Definições de Miro (Feira de Santana): "Dobrado Sinfônico é pesado, cheio de convenções, paradas para a contagem dos pistons, o baixo cheio de harmonia. O dobrado militar é mais direto. Um exemplo é o dobrado sinfônico "Obrigado amigo" de José Germino Costa (Arquivo da Filarmônica 25 de março). Passo-Marcha é um dobrado tirado à espanhola, por ex. o "Oscar Erudilho" de Heráclito Guerreiro. Marcha concertante é aquela que muda de rítmo, é mais descansada e tem vários andamentos, por ex. a "Lydia Borges" de Armando Nobre. Fantasia é o trecho clássico, em vários andamentos." Silvino Santos analisou da seguinte forma o seu dobrado "Roberto Silva": "Após a Intrada, com 13 casas, vem o canto chão. O primeiro motivo tem 8, o segundo tem 16. Na segunda parte vem um canto coletivo, a trovoada, com pistão, trombone, que é em meia força, com o contracanto das clarinetas. Vem depois a preparação, 4,8, Trio, canto chão." "...cada parte tem 32,34,36 casas. Se sair ímpar, 31 por exemplo, é o pé quebrado, pode tirar do mapa que não faz falta." "Canto chão ou canto gregoriano é o canto que os clarinetos e os bombardinos, tenor, barítono em si bemol, tocam juntos. Quando não canta a requinta é o soprano ou flautim. No canto chão, o pistão faz tercinas ou enfeites." Aspectos da execução Regência. O mestre de banda dificilmente usa partitura para reger. Quando o faz, geralmente utiliza uma cópia da voz mais aguda, ou duas a três partes ao mesmo tempo. Basicamente, a função da regência é dar as entradas. O mestre Agapito, por exemplo, toca trombone na banda que dirige, parando somente um pouco antes das cadências finais para "dar o corte". Na maior parte dos casos, principalmente em alguns mestres militares, como o Sargento Jalmeriz da Sociedade Musical "Professor Wanderley" de Santa Luzia do Norte, a regência é resumida aos primeiros e últimos compassos da peça. Durante a execução, o mestre permanece ao lado, escutando. É perfeitamente compreensível a falta de regência nas bandas. A função primordial desse tipo de conjunto musical é tocar em procissões e desfiles. Naturalmente, é impossível ao maestro reger, andando de costas. A Sociedade Musical "Prof. Francisco de Carvalho Pedrosa", de Coqueiro Sêco, caminha atrás da procissão de Nossa Senhora Mãe dos Homens. O mestre anda pelas fileiras dando ordens e fazendo repreensões em voz alta! Certos procedimentos também ajudam a reger e afetam a composição. É o caso da entrada da "pancadaria" numa marcação precedente à música. Graças às pancadas é que o mestre Agapito, por exemplo, consegue tocar trombone na sua filarmônica. Assim, todas as suas composições começam com pancadas de introdução e terminam com uma batida em contratempo. Mestre Jalmariz utiliza também o mesmo método. É significativo o fato de que o Sr. Paulo Menezes Campos, da Sociedade Filarmônica "Coração de Jesus", de Laranjeiras, preferir ser chamado de "mestre e marcante" e não de regente. Nelson Marques Chaves, de formação militar e mestre na Escola Média de Agricultura da Região Cacaueira, Uruçuca, dá os "breques" nas sua banda por meio de um apito. Interpretação. Na verdade, nossos instrumentistas e cantores fazem música, em princípio, de ouvido. As partes escritas são, antes de mais nada, guias, lembretes. Os cantores, nas músicas de igreja, quase sempre cantam de cór. O músico de banda também memoriza as suas partes, para poder marchar melhor. A memorização da música possibilita grande liberdade de execução, ornamentação e improvisação. A liberdade do músico é quase que total: não poucas vezes observamos instrumentistas parar de tocar, reiniciando a qualquer hora. O instrumentista age quase que como solista: a ornamentação, o "floreio" ocorre muitas vezes. Quase como prática barroca, na primeira vez a peça é executada "lisa", a repetição, ornamentada. É surpreendente constatar a herança clássica nos nossos músicos populares. Mesmo no acompanhemento ao órgão, onde vários de nossos músicos se notabilizaram, o "baixo de Alberti" é o procedimento mais usual. Neste caso, cumpre lembrar a arte de Carlos Cruz, de São Paulo, famoso pelas suas improvisações ao baixo. Constatamos, por outro lado, a existência de certos hábitos de ritmar. Enquanto na música vocal é muito comum o "amolecimento" do rítmo, transformando-se por exemplo valores pontuados em tresquiálteras, na música instrumental encontramos uma valorização rítmica, geralmente aumentando-se a nota longa e diminuindo-se a nota curta. Nos acompanhamentos de salmodia por flautas ou mesmo em dobramentos de partes corais por esse instrumento notamos um verdadeiro "estilo alla francese", com a duplicação de pontos de valores pontuados. Andamento. "Cavalo de Batalha" predileto do mestre Waldomiro Ferreira da Costa, de Feira de Santana, é a questão dos andamentos tomados nas marchas religiosas: "A gente nunca pode dar cadência de mais de 80... perde o efeito de sacra...sempre 70, 80, 70, 80... Agora, se a marcha for tocada numa festa cívica, pode ultrapassar 80... aquí em Feira andam com a banda a 100,120, fazendo a procissão andar que nem disparo... comigo não, não deixo passar de 80... a gente subdivide, faz passar para composto, de 2/4 para 4/4... prá cima eles seguram bem... em Maceió andam direito..." Aspectos pedagógicos Professores. Todas as bandas de música mantém escolas, algumas com vários alunos. Assim, A Euterpe Maruinense possui, no momento, 12 aprendizes, a Banda José Plech Fernandes de São Miguel dos Campos 5, a Filarmônica de Laranjeiras 4, etc. Muitas vezes, o mestre adquire renome como professor. É o caso do mestre Joaquim, de Maruim, o de Silvino Santos, que já "deu por pronto 18" alunos. Na Filarmônica de Porto Seguro, o mestre Alício Borges da Silva possui 16 alunos que, na falta de instrumental, aprendem só solfejo: "...na hora que a coisa não deu certo, engrena... os meninos vão bem, dois ou três meses de embocadura e já dá para tocar..." O mestre Pedro Celeaclá de Uruçuca também é conhecido como professor de solfejo: "é só mostrar para o aluno que é muito simples... não tem o que errar... cantar as 7 notas... pronto. Primeiro em 4/4, 2 no chão, 2 no ar, depois em 2/2... aí entra no ABC". Entretanto, a decadência da tradição de ensino é sensível: "Os que se metem a mestrar não sabem nem carregar um instrumento..." (João José do Nascimento, professor de solfejo e instrumento em Maragogipe); "...trouxeram um burro da Polícia de Salvador... a Euterpe de Maruim parece mais uma boiada com chocalho grande, chocalho de ferro e de metal." (Mestre Joaquim de Maruim). Métodos. As "artinhas", contendo os rudimentos de música, famosas no século passado, espalham-se ainda por todo o interior. Cada vez mais os conhecimentos práticos dos velhos mestres são substituídos por aqueles de um música da polícia e uma "artinha". Dessa forma, infelizmente, a música prática e viva vai sendo substituída por definições mal compreendidas por mestres e alunos. Do caderno de Luís Rosa, aprendiz de José Alfredo Meirelles, terceiro sargento-músico da Polícia de Aracajú e atual mestre da Euterpe Maruinense, pode-se ler algumas de tais definições: "A meludia, harmunia e ritimu, costitui elemento fudamentais da música"; "O ritimu é a ordem du muvimento". Entre os livros mais encontrados, citamos o "ABC Musical" de Rafael Coelho Machado, a "Gramática Musical ou Compêndio Analítico de Música" de Miguel Cardoso e o "Eu Sei Compor" de Frei Pedro Sinzig. (...)
A. A. Bispo. Conferência apresentada, em resumo, no I° Congresso Brasileiro de Educação Musical, Instituto Normal de Música, Sociedade Brasileira de Educação Musical, São Paulo. Publicada em partes em Brasil-Europa & Musicologia, ed. H. Hülskath. Köln: ISMPS e.V. 1999. ©Todos os direitos reservados
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