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Problemas da História da Educação Musical dos séculos XIX e XX
(1988)
Antonio Alexandre Bispo
A Educação Musical nos países de língua portuguesa encontra-se numa desoladora situação de grave insuficiência. Bem intencionadas, porém díspares e efêmeras iniciativas das últimas décadas, tomadas por instituições responsáveis por questões de ensino e pela formação de professores, levaram não à necessária reforma, mas à desmontagem irresponsável de estruturas de ensino e a uma generalizada desorientação. O quadro da situação atual da Educação Musical não se caracteriza por justificável multiformidade, mas sim pela concomitância amorfa e ineficaz de restos de correntes de pensamento e de atuação prática, muitas delas arbitrárias e inconseqüentes. A razão desse resultado negativo de um desenvolvimento já iniciado na década de 60 deve ser procurada sobretudo no cunho não-científico de conceitos defendidos e medidas preconizadas. A superação de uma Educação Musical vista então como produto da política cultural de décadas passadas não guiou-se fundamentalmente por critérios de natureza científico-cultural e musicológica. Embora cursos de formação de educadores musicais e mesmo currículos escolares tenham incluído disciplinas de cunho musicológico, estas sempre tiveram um caráter complementar. A História da Música, o Folclore Musical e outras matérias correlatas foram, no âmbito da Educação Musical, vistas primordialmente a serviço de ideais pré-estabelecidos. Tais disciplinas não se sujeitaram somente à necessária adaptação metodológica segundo o nível respectivo do ensino, porém a uma freqüente violentação da indispensável objetividade científica a que devem sempre almejar. A valorização e a interpretação de fatos musicológicos submeteram-se em demasia a ideais nacionalistas ou às mais diversas convicções psicologistas, culturais e político-sociais. A importância dada a determinados acontecimentos, épocas e personalidades, assim como os esclarecimentos relativos a tradições de interesse musicológico exigem hoje, - e não apenas no âmbito da Educação Musical -, cuidadosa e profunda revisão. Atingido agora um ponto crítico da sua deprimente história mais recente, a Educação Musical precisaria contar com iniciativas que não repetissem os erros já realizados. Isso somente poderá ser alcançado se for dado à Musicologia o papel fundamental que lhe compete na orientação básica dos objetivos da Educação Musical em função dos respectivos pressupostos culturais. Tal importância a ser dada à fundamentação musicológica da Educação Musical deve ser rigorosamente distinguida de uma eventual autoridade a ser concedida a musicólogos na orientação de questões de natureza não específica, sobretudo no que diz respeito a opiniões pessoais de cunho antropológico, psicológico, sociológico e político. A orientação no presente exige, em primeiro lugar, o estudo da História Geral e Especial da Educação Musical. Somente conhecendo-se os conceitos e as práticas de ensino do passado é que se poderá situar a ação formadora na atualidade dentro de uma linha conseqüente de desenvolvimento histórico. Somente assim será possível estabelecer as bases para um julgamento criterioso de conceitos e métodos. Muito daquilo que hoje parece ser novidade já foi defendido e aplicado há muito tempo. Conhecendo-se os resultados alcançados, pode-se evitar êrros e perda inútil de tempo e forças. O conhecimento das idéias já defendidas pode, sobretudo, servir a um necessário esclarecimento quanto à permanência, sob novas aparências, de concepções de negativas conotações e conseqüências. Esse é o caso, por exemplo, de um superficial e sensacionalista intuito relacionado com uma 'Etnomusicologia da História da Música', um intuito que não representa novidade. Pelo contrário, pode-se até mesmo afirmar que os mais graves problemas da Musicologia no mundo de língua portuguesa foram causados por intuitos de cunho etnomusicologista na interpretação do desenvolvimento histórico-musical e que levaram a grotescas distorções e inconcebíveis erros conceituais. Esses intuitos guiaram-se e guiam-se por aspirações sócio-político-culturais de cunho pragmático e tendências educativas de ambições iluministas. O que faz-se necessário, na realidade, é a consideração de fatos de interesse etnomusicológico no âmbito de uma Musicologia rigorosamente científica e a crítica histórica das idéias etnomusicologistas, dado o perigo iminente da transmissão inconsciente, - por desconhecimento de fatos históricos e superficialidade teórica -, de conceitos extra-científicos, sobretudo de fundo racista. Dada a íntima vinculação de tais idéias com objetivos pedagógicos, o estudo da História da Educação Musical impõe-se não só aos educadores como também aos musicólogos empenhados no desenvolvimento da própria ciência. Infelizmente, também quanto à História da Educação Musical nos países de língua portuguesa ainda vale a afirmação: "Nossa bibliografia não apresenta uma só obra de conjunto sôbre Pedagogia Musical. De modo geral, o que existe ou são fragmentos, dispersados em publicações periódicas de difícil acesso, ou são monografias sôbre determinados instrumentos, notadamente sôbre o ensino de piano". (Zita Alves de Amorim e Luis Washington Vita, Introdução à Pedagogia Musical. São Paulo 1956, 7) Na atual situação crítica do ensino da música nos países de língua portuguesa, torna-se necessário liberar o conceito de Canto Orfeônico de determinada conotação político-cultural a que ficou relacionado e possibilitar nova profundidade histórica à reflexão educativo-musical . Nesse intuito, sem desmerecer o significado do trabalho pedagógico dos anos 30 ou 40, cumpre recordar que vários conceitos que se prendem aparentemente a um desenvolvimento registrado nessas décadas já tinham sido defendidos anteriormente. Assim, quando Heitor Villa-Lobos acentuou que os fins da educação musical não seriam "os de criar artistas nem teóricos de música, senão cultivar o gosto pela mesma e ensinar a ouvir", ("Conceitos sobre Educação nas Escolas e Conservatórios, Presença de Villa-Lobos, 2. Rio de Janeiro: Museu Villa-Lobos/Fundação Nacional próMemória, 2a. ed. 1982 (1966) 85-87, 85) utilizou-se de uma concepção generalizada, anteriormente defendida, por exemplo, pelo Barão de Macahubas. Aliás, o movimento orfeônico dessas décadas estava consciente de que "a História se repete" (cf. Cacilda Guimarães Fróes, " Educação - Civismo - Villa-Lobos" (Palestra proferida no VI Ciclo de Palestras, Museu Villa-Lobos, 8/11/1971), Presença de Villa-Lobos, 7. Rio de Janeiro; Museu Villa-Lobos/MEC/DAS 1972, 23-40, 28). Erros de avaliação do seu significado e da suposta prioridade de seus conceitos e métodos são antes característicos de trabalhos recentes, sobretudo publicados no Exterior. Embora várias vezes tenha-se considerado resumidamente o desenvolvimento histórico anterior do Canto Orfeônico no Exterior e no Brasil, sobretudo em S. Paulo e em Pernambuco, (cf. Cacilda Guimarães Fróes, " Educação - Civismo - Villa-Lobos" (Palestra proferida no VI Ciclo de Palestras, Museu Villa-Lobos, 8/11/1971), Presença de Villa-Lobos, 7. Rio de Janeiro; Museu Villa-Lobos/MEC/DAS 1972, 23-40, 28) faltam estudos que demonstrem a continuidade histórica dos esforços educativos e as características distintivas de diferentes épocas e personalidades.
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