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Nomes da história intercultural em contextos euro-brasileiros
Robert Christian Berthold Avé-Lallement (1812-1884)
Principais datas no desenvolvimento de estudos relativos a Avé-Lallement no contexto da A.B.E. 1974. 90 anos da morte de Avé-Lallement. Lübeck, Alemanha 1983/4. 100 anos da morte de Avé-Lallement. Forum Brasil-Europa, Leichlingen 1987. 175 anos de nascimento de Avé-Lallement. Música e observação de viajantes. Música no Encontro de Culturas, Universidade de Colonia 1999. Cultura indígena e a imigração alemã no Brasil. Congresso Brasil-Europa 500 anos, Colonia 2004. Cristãos e Morous e Cavalhadas no litoral da Bahia: observações de Avé-Lallement. Congresso de Estudos Euro-Brasileiros, sessão de Parati. 2006. Posições de Avé-Lallement na questão migratória. Imigração e estética. Seminário da Universidade de Colonia Indicações bibliográficas: Reise durch Südbrasilien, 2 vols. (1859) Reise durch Nordbrasilien im Jahre 1859, 2 vols. Leipzig: F. U. Brockhaus, 1860 Wanderungen durch d. Pflanzenwelt der Tropen (1880) Os Sete Povos em 1858revista Província de São Pedro, Livraria do Globo, 1951, número 15, p. 93-101 Robert Avé-Lallemant. Viagem pelo Sul do Brasil no Ano de 1858, por Robert Ave-Lallement. Rio de Janeiro, INL, 1953, XIII 398 e 360 p., com gravuras fora de texto, incluídas na edição. Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII) Bispo, Antonio Alexandre. "Musik und Tänze der Botocudos als Abschreckung deutscher Auswanderer", Sichtweisen deutscher Autoren, in: As Culturas Musicais dos Índios do Brasil, Anuário Musices Aptatio 2000/2001, Roma/Siegburg 2001, 229-235 Robert Ch. B. Avé-Lallement nasceu em Lübeck, Alemanha, em 25 de julho de 1812. Faleceu nessa cidade, em 13 de outubro de 1884. Após estudos em Berlim, Heidelberg e Paris, formou-se em Kiel, em 1837. Veio para o Rio de Janeiro, tornando-se médico chefe de hospital. Atuou no combate à febre amarela. Retornou à Alemanha em 1855. Dois anos depois retornou u ao Brasil, sendo nomeado médico do Hospital dos Estrangeiros. A seguir, realizou várias viagens ao sul e ao norte do Brasil.Ocupou-se com questões da imigração. Retornou a Lübeck em 1859. Realizou uma viagem ao Egito à época da abertura do Canal de Suez.
Principais datas no desenvolvimento de estudos relativos a Avé-Lallement no contexto da A.B.E. 1974. 90 anos da morte de Avé-Lallement. Lübeck, Alemanha
1983/4. 100 anos da morte de Avé-Lallement. Forum Brasil-Europa, Leichlingen
1987. 175 anos de nascimento de Avé-Lallement. Música e observação de viajantes. Música no Encontro de Culturas, Universidade de Colonia
1999. Cultura indígena e a imigração alemã no Brasil. Congresso Brasil-Europa 500 anos, Colonia 2004. Cristãos e Morous e Cavalhadas no litoral da Bahia: observações de Avé-Lallement. Congresso de Estudos Euro-Brasileiros, sessão de Parati. 2006. Posições de Avé-Lallement na questão migratória. Imigração e estética. Seminário da Universidade de Colonia Indicações bibliográficas:
Reise durch Südbrasilien, 2 vols. (1859)
Reise durch Nordbrasilien im Jahre 1859, 2 vols. Leipzig: F. U. Brockhaus, 1860
Wanderungen durch d. Pflanzenwelt der Tropen (1880)
Os Sete Povos em 1858revista Província de São Pedro, Livraria do Globo, 1951, número 15, p. 93-101
Robert Avé-Lallemant. Viagem pelo Sul do Brasil no Ano de 1858, por Robert Ave-Lallement. Rio de Janeiro, INL, 1953, XIII 398 e 360 p., com gravuras fora de texto, incluídas na edição.
Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII)
Bispo, Antonio Alexandre. "Musik und Tänze der Botocudos als Abschreckung deutscher Auswanderer", Sichtweisen deutscher Autoren, in: As Culturas Musicais dos Índios do Brasil, Anuário Musices Aptatio 2000/2001, Roma/Siegburg 2001, 229-235
[Excertos de trabalhos]
R. Ch. B. Avé-Lallement (1812-1884) História intercultural da medicina, história da imigração e colonização, estudos regionais (1974) Simplificado em 1983/4 para fins de discussão com escolares no Forum BRASIL-EUROPA de Leichlingen, sob a direção de A.A.Bispo e patrocínio da Embaixada do Brasil
(Excertos, publicados em tradução do alemão, sem notas)
Antonio Alexandre Bispo
(...)
R. Ch. B. Avé-Lallement foi, antes de tudo, um médico. Entretanto, oferece em suas obras resultados de suas observações e impressões em várias regiões brasileiras. Para a história cultural dessas regiões, os dados que oferece são de importância como testemunhos. A sua contribuição à história da medicina no Brasil ainda está à espera estudos mais pormenorizados. Avé-Lallement surge como um exemplo de médico com interesses culturais diversificados e assume uma posição histórica nos estudos das relações entre a medicina e os estudos culturais.
O próprio Avé-Lallement salientou, no prefácio de suas edições das Viagens pelo Sul e pelo Norte do Brasil, que fazia as suas observações apenas como um "simples médico de hospital":
Quase nada tenho a acrescentar ao prefácio, já enviado para a minha Viagem pelo Sul, ao desta Viagem pelo Norte. É a repetição do pedido de indulgência para a narração dum médico de hospital, que nunca teve pretensões ao nome de naturalista, seja zoólogo, botânico ou mineralogista. Contando com a indulgência solicitada, conservei também êste texto tal qual o escrevi durante minha viagem, na Bahia, Canavieiras e pelos rios locais, mais tarde em Pernambuco e Maceió, no Pará, em Manaus e Tabatinga, na fronteira peruana, sem alterá-lo, limitando-me, apenas a algumas correções nos apontamentos então escritos." Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII), I, Prefácio, 7
Significado para o estudo da imigração e colonização
Como médico que atuara no combate à febre amarela no Rio de Janeiro, a atenção de Avé-Lallement se dirigia às condições de salubridade das regiões visitadas, em particular daquelas de colonização. É sob esse pano de fundo que se entende o pêso que dá a questões relativas à imigração alemã na sua obra e o seu empenho relativamente ao controle da emigração para o país. As suas observações assumem sobretudo interesse documental para os estudos relativos às tentativas de colonização alemã na Bahia:
No primeiro volume de minha Viagem pelo Sul do Brasil, tive o prazer de poder esboçar um quadro singelo da alegre e pujante prosperidade duma colônia alemã, de colonos não sujeitos a condições servis e às injunções especulativas dum empresário particular. No primeiro volume da presente narração de viagem, tenho infelizmene de esboçar um quadro inteiramente oposto, o da lenta ruína de numerosos imigrantes, na mais nega miséria, num rio do sul da Província da Bahia, o Mucuri, o triste resultado da especulção empreendida por uma sociedade anônima. op. cit. 8
Antes de apontar essa situação na sua Viagem pelo Norte do Brasil, Avé-Lallement já havia publicado um texto a respeito, em Hamburgo, em 1859. Teve o intento de advertir os desejosos de emigrar, na Alemanha, contribuindo assim decisivamente para a mudança de opiniões na Europa relativamente à emigração para o Brasil.
Volto-me formalmente para as autoridades do govêrno da nossa pátria alemã, suplicando-lhes, instantemente, se interessem com urgência pela sorte dos emigrantes alemães para o Brasil. ibidem
Como relata, alguns estados alemães, como a Baviera, já haviam proibido a emigração para o Brasil. Avé-Lallemant julgava essa medida por demais severa. Para êle, o correto seria o que fizera o Ministério Prussiano do Comércio, tomando, em 3 de novembro de 1859, medidas contra concessões para aliciamento de emigrantes para o Brasil.
A razão pelo fracasso da colonização alemã no Leste do Brasil, segundo Avé-Lallement, deveria ser vista no interesse econômico de especuladores particulares dentro do processo da substituição da mão-de-obra escrava pela dos colonos europeus. A extinção gradativa da escravidão no Brasil teria um correlato com uma espécie de "comércio de carne humana na Alemanha".
Avé-Lallement percebeu e apontou, assim, o relaciomento entre dois processos, o da extinção gradativa da escravatura africana e o da vinda de colonos europeus, em particular alemães, para substituí-los. Analisou os acontecimentos sob diferentes ângulos, apontando a função de agentes e mediadores entre os próprios imigrantes, conhecedores das duas línguas. Insinuou as dimensões internacionais e as implicações diplomáticas dessa situação decorrente de processos econômico-sociais:
As coisas chegaram a ponto (...) de arranjarem astutamente com alguns governos a nomeação de vice-cônsules para pessoas ligadas a essas emprêsas especuladoras, que estão na maior dependência delas e que, se não querem perder o pão, se prestam a ajudar a atrair e escravizar seus compatriotas e depois informar oficialmente sôbre seu bem-estar. op. cit. 9
A imagem negativa do Brasil no Exterior seria um resultado da especulação e da atividade empresarial privada no novo comércio de mão-de-obra. Contra esse tipo de liberdade da iniciativa empresarial o govêrno brasileiro deveria tomar providências, colocando impecilhos no "caminho das empresas colonizadoras especulativas de particulares, que arruinam o imigrante créculo e o bom nome do Brasil no estrangeiro" (ibidem). Os representantes do Brasil na Alemanha deveriam, segundo êle, serem solicitados para que não auxiliassem o aliciamento de emigrantes para empreendimentos particulares e que impedissem oficialmente a viagem de emigrantes para regiões insalubres.
Como médico, via na insalubridade de algumas regiões ou nas condições climáticas de zonas tropicais impróprias para o europeu o impecilho maior, intransponível, à prosperidade das colonias de imigrantes. Por isso, para Avé-Lallement, seria antes melhor continuar com a procura de mão-de-obra da África:
Será muito melhor navegar novamente para a costa da África e arranjar-se, como dantes, com Moçambique, Loanda e Inhambana como, aliás, foi há pouco calorosamente sugerido na imprensa brasileira. É muito melhor o tráfico de escravos, do que o embuste contra pobres imigrantes alemães. ibidem
Observações de processos de mestiçagens e vida cultural mameluca em Cametá
(...) A participação de índios cristianizados em festividades de origem européia também foi registrada por Avé-Lallemant. Em Cametá, assistiu pela Páscoa à eleição do Imperador, com "boa música". Os participantes eram em grande parte descendentes de índios: "Embora esse tão numeroso mundo dos índios, na maior parte dos lugares onde o europeísmo se aproximava demais dêles e ameaçava apertar o cêrco, se aprofundassem mais, rios acima, preferindo a vida desregrada nas florestas à vida legal nas cidades e sua vizinhança, muitos se achegaram à civilização e a receberam até onde lhes foi levada. [...] Destes quase não vi nenhum na igreja, nem mesmo dentre as mulheres Uma timidez, que lhes é peculiar, tinha-os impedido. Mais numerosa era a mestiçagem índio-européia, representada na igreja, nos seus diversos matizes, e ainda mais no dia seguinte, por toda a cidade, celebrando o esplêndido Domingo de Páscoa, singular mestiçagem, a que chamam mamelucos."Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII), II, 36 Com essa menção, Avé-Lallemant documenta, na Amazônia, a tradição dos "Impérios" de origem açoriana, cuja importância cultural e social no Sul e no Centro do Brasil foi salientada por outros autores.
As observações de Avé-Lallemant relativas à mestiçagem baseavam-se em leituras que fizera de relatos de viajantes a outras partes do mundo. Assim, as suas concepções denotam cunho comparativo:
Quanto mais longe a mestiçagem está das rígidas normas da Europa, tanto mais natural lhe parece ceder aos apelos da Natureza e às paixões. Quando lemos as histórias de quase todas as ilhas dos Mares do sul, quando percebemos os primeiros ecos vindos de lá, como os trouxeram até nós um Wallace, Byron, Cook, King e todos os seus sucessores, não sabemos, realmente, o que devemos mais pensar e dizer a respeito. Profunda tristeza apoderava-se sempre de mim quando lia sôbre aquelas ilhas, de Havaí e Taití, onde parece morar e predominar uma Natureza intrinsecamente poética e, ao mesmo tempo, horrível e inconsciente depravação - uma profunda tristeza quando lia, como as encantadoras filhas daquelas ilhas, depois de curta hesitação, entregavam, de corpo e alma, todo o seu ser aos braços dos europeus (...)
O mundo dos índios no Tocantins pode ter ido ao encontro dos europeus com muito maior simplicidade e muito menor riqueza de colorido. Por isso a população mestiça é também, como conseqüência natural, muito mais simples, tranqüila e modesta. Pelo menos assim me pareceu o povo de Cametá. Calmos e alegres iam todos para as festas da Páscoa, um igual ao outro, nenhum menosprezado por causa de sua côr, (...).Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII), II, 42
Observações de expressões culturais amazônicas: Boi
As observações de Avé-Lallemant relativas aos índios cristianizados da Amazônia adquirem relevante significado etno-musical e histórico-musicológico. Com a sua obra, contribuiu grandemente para a difusão, na Europa, de conhecimentos das expressões culturais amazônicas de cunho católico. Segundo ele, os tapuios de Manaus eram fervorosos católicos, fascinados pela riqueza de formas do culto, pela variedade das vestes sacras, pelo incenso e pelos repiques de sinos. Essa religiosidade cristã parecia-lhe misturada com paganismo, o que se manifestaria nos festejos da véspera de São João. A dança de arcos, com cantos e movimentações rítmicas, - de resto conhecida em tradições de outras regiões do país e da Europa - poderia ser comparada, segundo Avé-Lallemant, com danças dos Mares do Sul. De particular interesse para o estudo das tradições religiosas e lúdicas juninas da Amazônia é o detalhado relato de Avé-Lallemant a respeito do Boi (Bumbá), por ele assistido por ocasião da festa de São Pedro e São Paulo. Com a sua pormenorizada descrição, apresentou aos leitores europeus, pela primeira vez, uma imagem bastante expressiva dessa principal expressão cultural da região. Avé Lallement oferece, na sua obra, não apenas uma descrição do que presenciou, como também versos do que ouviu:
Enquanto o coro acompanha o compasso do batuque, entoando uma espécie de bocca chiusa monótona, o pajé, o feiticeiro, avança em passo de dança para o seu par e canta:
O boi é muito bravo Precisa amansá-lo
(...) E como, por fim, todos devem estar convencidos da triste realidade da morte do boi, decidem-se, como último grande ato, por uma intimação geral cantada:
.....chora O boi já vai-se embora,
isto é, vai ser enterrado." Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII), II, 106
Tal tradição, "com seus coros e saltos cadenciados", era para Avé-Lallemant algo de "lídima poesia selvagem". Entretanto, confessava não estar em condições de saber até onde nela se manifestavam o espírito e a reminiscência de alguma antiga festa selvática. Muito acertadamente, Avé-Lallemant descobria nessa festa elementos comuns ao "boeuf gras" francês, procurando detectar as diferenças entre as duas tradições:
Se o boi parece representar um papel prosaico, então aconselho ir a Paris, pelo carnaval, e procurar lá o boeuf gras, atrás do qual todo Paris corre, sobretudo os Faubourgs St. Marceau et St. Antoine, onde a alta sociedade olha pelas janelas, tensa, como se aguardasse a passagem dum herói, dum César:
And if you saw his chariot but appear Did you not make a universal shout?
Assim a grande tragédia inglêsa faz puxar o carro do seu tribuno popular, a plebe romana que ainda ontem ovacionava Pompeu para hoje aclamar César.
No carnaval, porém, o parisiense contenta-se em deixar viver o boef gras, enquanto em Manaus, na véspera de S. Pedro e S. Paulo, o que agrada é o 'boi bravo'. (...)"
(...) Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII), II, 106-107
Observações do ensino musical e da influência nordestina em Manaus Para o estudo histórico-musical de Manaus, ainda tão pouco desenvolvido, as observações de Avé-Lallement oferecem significativos subsídios. O viajante ficou particularmente bem impressionado com o instituto dos Educandos, instalado ao modo de uma instituição que conhecia de Hamburgo. Julgou-se num "bem dirigido asilo de órfãos na Alemanha (op.cit. 116). Os meninos índios recebiam no Educandário instrução musical, aprendendo a tocar instrumentos de sopro e participando na banda do estabelecimento: "Sete instrumentos de sôpro estavam representados em dôbro, os dois cornetins tinham 10 e 11 anos. Nenhum dos pequenos músicos poderia contar mais de 15 anos. E tocaram duas marchas com tal entusiasmo, precisão e desembaraço que fiquei realmente surpreso. O cornetim menor, sobretudo, uma figurinha robusta, o garoto mais engraçado que se podia ver, soprava como um homem e parecia compenetrado de que a regência de tôda uma banda dependia dum bom cornetim."Robert Avé-Lallement. Viagem pelo Norte do Brasil no ano de 1859, 2 vols. Trad. Euardo de Lima Castro. Rio de Janeiro: MED/INL, 1961 (Coleção de obras raras VII), II, 115-116 O professor de música era um rapaz pernambucano, de côr, por nome Francisco da Silva Galvão. A instituição, embora criada há pouco tempo, já produzira grandes benefícios, pois mostrava à gente de côr que, se quisessem trabalhar regularmente, estariam aptos para tudo, e que mesmo as pequenas energias das crianças já poderiam produzir algo útil, caso fossem dirigidas para um conjunto coletivo. Muitos achavam, porém, que a instituição era desnecessária e procuravam tirar a música do seu programa. Avé-Lallemant deu um "bom conselho a propósito: mandar os pequenos fuscos tocarem suas marchas diante das janelas dêsses discordantes, e êles os deixarão continuar com sua música e a instituição também, com todos os seus benefícios."
Observação de transformações culturais A partir de suas observações em Manaus e no baixo Rio Negro, Avé-Lallemant concluiu que a vida índia, "aproximando-se do europeísmo", nele aos aos poucos se diluia, de forma obscura e modesta, "poético-elegíaca mesmo, [...] mas de certa melancolia também." (op.ci. 117) Os brancos já dominavam tanto em Cametá quanto no Rio Negro, embora a civilização parecesse retrogredir. O que o português outrora construíra, se arruinava cada vez mais. A decadência de cidades como Airão, Moura, Barcelos, Moreira, Tomar e Castanheiro foi comparada pelo autor com o declínio da vida de vilas e cidades criadas outrora pelos missionários jesuitas através dos "descimentos". Com a liberdade, predominara entre os índios a tendência nata para a indolência e decrescera a atividade forçada das outrora das colônias do Rio Negro. Entretanto, as tribos se convenciam cada vez mai de que a vida civilizada das colônias era preferível à vida nas florestas, "sobretudo desde que lhes fosem permitidas tôdas essas reminiscências das selvas e dos antigos lares". Para Avé-Lallemant, essas reminiscências na vida dos índios de Manaus nada mais eram do que "brincadeiras inofensivas." (op.cit.118)
Observações de colonização com indígenas e movimentos religiosos Do ponto de vista etno-histórico, essas observações de Avé-Lallemant culminam com a menção do retrato e do trabalho do capitão de artilharia Joaquim Firmino Xavier. Esse indivíduo, que já atuara nas campanhas do Rio da Prata e no Forte de Macapá, tinha a missão de domiciliar índios na fronteira, colonizando com aldeias indígenas o Xié e o Içana, o último afluente do Rio Negro em território brasileiro. Os índios da região tinham abandonado as aldeias após a perseguição militar dos adeptos do movimento messiânico de cunho cristão de um líder indígena venezuelano chamado Venâncio. Nesse movimento, a dança e a bebida desempenhavam importante papel. Os dados reproduzidos por Avé-Lallemant do relatório de Joaquim Firmino Xavier oferecem uma visão geral das aldeias e povoações indígenas em meados do século XIX na região: Em São José de Marabitanas, constituída por descendentes civilizados dos grupos Bambo, Bari e Aeroquena, os homens falavam ainda mal o português e as mulheres dominavam muito raramente esse idioma; a capela local necessitava de um sino. Em São Marcelino, formada por indígenas da tribo Aeroquena, a situação era de extrema instabilidade, tendo os índios abandonado várias vezes a povoação e atravessado a fronteira para a Venezuela. A facilidade com que se poderia ir do Rio Ixié para a Venezuela seria a causa de não se poder contar com esses índios para qualquer fim; de resto, só os homens falariam o português e poucos usariam roupas. Os habitantes das vizinhanças de Nossa Senhora da Guia, descendentes das tribos Baré, Aeroquena e Baniba, não queriam viver na aldeia e estavam à mercê dos comerciantes ambulantes a quem vendiam redes de tucum e caroá, fabricadas pelas mulheres. Na povoação de São Filipe, ao sul da foz do Içana, formada por homens mamelucos que falavam o português e mulheres indígenas que falavam apenas a língua geral, o relator menciona terem os habitantes abandonado a aldeia a conselho de um missionário franciscano, em 1858: "Pouco tempo depois, reuniram-se nos igarapés e entregaram-se, escondidos nêles, à bebida, à libertinagem e danças selvagens. Com muito trabalho fi-los voltarem para suas habitações E teriam ficado nelas, se Basílio, o desertor, não os tivesse reunido novamente em Santa Ana, para as mesmas danças, como Venâncio. Tirei-lhes as cruzes e dispersei-os. Alguns fugiram para a Venezuela, outros para o Rio Vaupez, de maneira que hoje poucos habitantes existem ali." op.cit.127 Para formar a Aldeia do Carmo, a primeira do Içana, o relator reuniu índios da tribo Baniba sob a liderança do tuxaua Marco Antônio. Este tuxaua falava português, mas não era obedecido pelos índios. A causa do abandono das aldeias teriam sido os trabalhos da reconstrução do forte da Cucuí. Os índios teriam tabalhado de bom grado se não prestassem ouvidos aos ambulantes que, em proveito próprio, os aconselhavam que fossem à floresta apanhar drogas. Os habitantes da Aldeia de Nazaré, índios da tribo Mutum, eram ativos e trabalhadores. Os da Aldeia de São Antônio de Tunuí, entretanto, da tribo Acaiaca, não queriam viver nas aldeias, porque não desejavam ser governados por ninguém. Também o tuxaua da aldeia de Santa Ana, da tribo Sisuci, não teria conseguido trazer índios para a povoação, pois estes não queriam trabalhar. O mesmo acontecia com a aldeia de São Lourenço, dos índios da tribo Iandu e que viviam dispersos em numerosas malocas ao longo dos rios Guaraná e Pamari. Fato similar ocorria na Aldeia de São Francisco dos índios Quati. Essa falta de poder dos tuxauas seria compreensível, uma vez que eram nomeados por J. Firmino Xavier. Assim, incumbira um índio João Batista Mutum, que falava português, de procurar reunir seus parentes na Venezuela e fundar uma aldeia sob a proteção de São Luís. Caso tivesse êxito, seria feito tuxaua. Quando os tuxauas gozavam de prestígio entre os seus, o processo de aldeamento tinha mais sucesso, como na Aldeia de Santa Rita da tribo Ipeca, e na Aldeia de São Roque, do grupo Suaçu. J. Firmino Xavier conseguira que índios da tribo Tatu saíssem da floresta e viessem habitar a aldeia de São Joaquim, por ele fundada. Outro sucesso de seu trabalho foi a aldeia de São João Batista, na cachoeira do Apuí, a última do Rio Içana, onde reunira índios da nação Tapiíra. Segundo F. Firmino Xavier, a situação de ruína das aldeias e povoações indígenas da região poderia ser modificada se o Govêrno estabelecesse depósitos de objetos de que os índios mais necessitassem, e mesmo que lhes incitassem a vaidade. Teriam então de levar a esses depósitos seus produtos, drogas e trabalhos artísticos para que os comprassem e obtivessem em troca os objetos de que precisassem. Desta maneira não seriam logrados, veriam o fruto do seu trabalho e rivalizariam uns com os outros. Para Avé-Lallemant, a razão de ser o índio tão dificilmente atraído à civilização seria o fato de ser um caçador e um pescador nato, necessitando de muito espaço: "O bucolismo da vida solitária nas florestas, a vida do pescador é a nota tônica na existência do índio. Está inconscientemente ligado a ela por tôdas as fibras do seu ser, e arrancar-lha é operação perigosa, que põe a vida em perigo." op.cit.135 Um grande obstáculo para a civilização dos índios seria a dificuldade da língua, pois "um povo que não tem nada que dizer, não forma também uma língua. [...] Suas línguas seriam gírias, jargões, entendendo-se com os seus vizinhos conforme podiam." (op.cit.140) A língua geral seria apenas o idioma de uma fase de transição. As línguas européias já tinham penetrado profundamente na floresta: no Rio Negro, o português era falado até os afluentes do Içana, no noroeste do Rio Branco, onde o português avançaria lentamente, surgia um inglês estropiado e, mais para o interior, vestígios de holandês. Aliás, Avé-Lallemant estava convencido de que a própria palavra "tuxaua" já representaria uma prova de antigos contactos culturais. A palavra remontaria ao tempo em que a influência holandesa era muito grande na região. Ela teria a sua origem no vocábulo alemão "Toschauer" (capataz, inspetor).
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