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Nomes da história intercultural em contextos euro-brasileiros
Henry Walter Bates (1825-1892)
Henry Walter Bates (1825-1892), naturalista inglês, nasceu em Leicester, em 18 de fevereiro de 1825, e faleceu em Londres, em 16 de fevereiro de 1892. Filho de um artesão, estava previsto para a carreira do comércio. Instruiu-se sobretudo autodidaticamente, através de leituras na biblioteca do Mechanics Institute de Leicesters. Adquiriu assim bons conhecimentos humanísticos, de idiomas (grego, latim, francês) e de composição musical. O seu crescente interesse pela zoologia levou-o desde cedo a colecionar espécimes. Em 1843 conheceu Alfred Russel Wallace (1823-1913), o naturalista que chegaria a desenvolver a idéia da evolução independentemente de Charles Darwin. Decidiram visitar a América do Sul. Conseguiram angariar meios apenas em 1848. Dirigiram-se a Belém, passando um ano e meio explorando o rio Tocantins. Subiram o Amazonas até Santarém e Óbidos, onde se separaram. Bates navegou pelo Amazonas até Ega, cidade de maior importância no Solimões, permanecendo mais de um ano na região, antes de voltar a Belém. Nos próximos oito anos, realizou viagens de coletas no Amazonas e seus afluentes. Chegou até o forte Boa, de onde desejava prosseguir a viagem até os Andes. Realizou assim extensas pesquisas naturais e observações culturais nas regiões ribeirinhas do Amazonas até Tabatinga. Por razões de saúde, retornou à Inglaterra, em 1859. Trouxe mais de 14.000 espécimes, na maior parte insetos, dos quais ca. 8000 eram até então desconhecidos. Retornou em estado de penúria. Publicou o seu único livro, A naturalist on the river Amazonas, em 1863, obra que é também de considerável interesse sob o ponto de vista histórico-cultural. Darwin escreveu o prefácio da obra. Em 1864, Bates tornou-se secretário assistente da Royal Geographical Society, ali permanecendo até a sua morte, em 1892. Foi considerado uma das maiores autoridades em Coleoptera. Foi o primeiro a bem formular o princípio da mimicry: similaridade a serviço da defesa.
Principais estudos e eventos da A.B.E. relacionados com H. W. Bates 1975. Comemorações dos 150 anos do nascimento de Bates, Leicester 1982. Pesquisa da cultura e zoologia comparada: H. W. Bates. Forum Brasil-Europa, Leichlingen, Alemanha 1988. 125 anos de publicação da obra A naturalist on the river Amazonas 1992. 100 anos de morte de Bates. Colonia, Alemanha 1994. "Expressões culturais de Tefé no século XIX". Encontro de estudos culturais em Tefé 1998. 150 anos da chegada de Bates a Belém. Observações musicais de Bates. Projeto: As Culturas Musicais Indígenas do Brasil, IBEM, São Paulo 2002. H. W. Bates na história euro-brasileira da observação cultural. Colóquio Europa e o mundo sonoro indígena, ISMPS, Colonia Indicações bibliográficas: H. W. Bates, A Naturalist on the River Amazonas: A record of adventures, habits of animals sketches of Brazilian and Indian life, and aspects of nature under the equator, during eleven years of travel, London 1863 -------, Der Naturforscher am Amazonenstrom: Leben der Tiere, Sitten und Gebräuche der Bewohner, Schilderung der Natur unter dem Äquator und Abenteuer während eines elfjährigen Aufenthalts, Leipzig 1866 --------, Elf Jahre am Amazonas: Abenteuer und Naturschilderungen, Sitten und Gebräuche der Bewohner unter dem Äquator, reelaborado e introduzido por. B. Brandt, Stuttgart: Strecker und Schröder 1924 (Klassiker der Erd- und Völkerkunde, ed. W. Krickeberg) Moon, Harold Philip, Henry Walter Bates FRS, 1825-1892: explorer, scientist, and Darwinian, Leicester: Leicestershire Museums, Art Galleries, and Records Service, 1976. Bispo, A. A. "Klimatische Bedingungen für das Weiterleben indianisch geprägten Musikbrauchtums" (Sichtweisen englischsprachiger Autoren), in: Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens IV, Musices Aptatio 2000/2001, Siegburg 2002, 188-197
Principais estudos e eventos da A.B.E. relacionados com H. W. Bates 1975. Comemorações dos 150 anos do nascimento de Bates, Leicester 1982. Pesquisa da cultura e zoologia comparada: H. W. Bates. Forum Brasil-Europa, Leichlingen, Alemanha 1988. 125 anos de publicação da obra A naturalist on the river Amazonas
1992. 100 anos de morte de Bates. Colonia, Alemanha 1994. "Expressões culturais de Tefé no século XIX". Encontro de estudos culturais em Tefé
1998. 150 anos da chegada de Bates a Belém. Observações musicais de Bates. Projeto: As Culturas Musicais Indígenas do Brasil, IBEM, São Paulo
2002. H. W. Bates na história euro-brasileira da observação cultural. Colóquio Europa e o mundo sonoro indígena, ISMPS, Colonia
Indicações bibliográficas: H. W. Bates, A Naturalist on the River Amazonas: A record of adventures, habits of animals sketches of Brazilian and Indian life, and aspects of nature under the equator, during eleven years of travel, London 1863 -------, Der Naturforscher am Amazonenstrom: Leben der Tiere, Sitten und Gebräuche der Bewohner, Schilderung der Natur unter dem Äquator und Abenteuer während eines elfjährigen Aufenthalts, Leipzig 1866 --------, Elf Jahre am Amazonas: Abenteuer und Naturschilderungen, Sitten und Gebräuche der Bewohner unter dem Äquator, reelaborado e introduzido por. B. Brandt, Stuttgart: Strecker und Schröder 1924 (Klassiker der Erd- und Völkerkunde, ed. W. Krickeberg) Moon, Harold Philip, Henry Walter Bates FRS, 1825-1892: explorer, scientist, and Darwinian, Leicester: Leicestershire Museums, Art Galleries, and Records Service, 1976.
Bispo, A. A. "Klimatische Bedingungen für das Weiterleben indianisch geprägten Musikbrauchtums" (Sichtweisen englischsprachiger Autoren), in: Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens IV, Musices Aptatio 2000/2001, Siegburg 2002, 188-197
Textos [Excertos]
H. W. BATES (1825-1892):
Zoologia comparada e pesquisa da cultura (Leicester 1975, simplificado em 1982 para fins de discussão com escolares no Forum BRASIL-EUROPA de Leichlingen, 1982, publicado aqui em tradução do alemão realizada por estudantes)
Antonio Alexandre Bispo
(...)
Bates foi mais do que um zoólogo colecionador e comparativo. Ele dirigia a sua visão para o todo, e as suas observações são de interesse interdisciplinar. A sua preocupação era sobretudo a da ação do clima sobre o homem.
"Um pesquisador da natureza, nascido numa época feliz, à qual o parcelamento da ciência e a especialização ainda eram estranhos, tinha também compreensão para os fenômenos fora de sua área que se apresentavam na terra nova..." B. Brandt, "Einleitung und Vorwort", Henry Walter Bates, Elf Jahre am Amazonas (...), Stuttgart, 1924, VI A sua chegada deu-se em periodo de festas religiosas em Belém, com toque de sinos e foguetes. Assim, a sua imagem do Brasil ficou marcada pelas impressões causadas por uma atmosfera religiosa e festiva totalmente distinta daquela dos dias feriados da Grã-Bretanha. De início, Bates ficou surprêso com a constituição étnica da população, uma vez que esperava encontrar sobretudo indígenas. Para Bates, as populações indígenas da cidade e da região ou já tinham desaparecido, ou haviam caído no esquecimento, pelo menos aquelas que originalmente teriam habitado as margens dos rios. Os seus descendentes tinham-se misturado com os brancos e negros. Na região de Belém, até os nomes das tribos já não eram mais conhecidos, os índios eram chamados, em geral, de tapuios. Somente os do interior eram ainda denominados de índios ou gentios. Entretanto, os tapuios semi-civilizados e os habitantes da floresta falavam ainda a língua geral. Observações referentes aos índios O tapuio de Belém, para Bates, se diferenciava nas suas características físicas e morais dos índios do interior. Nunca demonstravam entusiasmo, mas se caracterizariam por grande sensibilidade e espírito de solidariedade, sobretudo para com aqueles do mesmo sangue. Seriam, em geral, considerados pelos brancos e negros como "mal-agradecidos". O autor teria constatado, porém, casos de confiança e fidelidade, embora excepcionais. Mostravam sempre o desejo de estarem a sós. Quando Bates chegou a Belém, lá ainda viviam famílias indígenas, tendo muitas delas já abandonado a cidade. A razão desse êxodo seria, para Bates, o fato de que, com o crescimento e o desenvolvimento da navegação a vapor, Belém ter-se-ia tornada demasiadamente agitada para a natureza e o modo de vida do índio. Achava que o caráter inflexível dos indígenas traria impreterivelmente a sua extinção; como, porém, se misturavam, o desaparecimento da raça não precisaria ser deplorado. Bates salienta as conseqüências da participação dos índios na lutas de 1835; o grito "Morte aos portugueses" transformara-se em "morte aos maçons". Na sua época, porém, já reinava paz.
Observações referentes aos africanos Bates ressalta, no seu texto, as boas qualidades dos africanos, mencionando, sobretudo o sentimento de religiosidade. Já nas primeiras semanas de sua estadia, teve a ocasião de observar um cortejo noturno de carregadores que, cantando, traziam material de construção à cabeça: eram em parte escravos que, após o trabalho diário, construíam a Igreja do Rosário.
Observações da vida cultural popular de Belém Em capítulo dedicado à vida popular de Belém, Bates menciona a profusão de festas religiosas, o brilhantismo das solenidades, as procissões acompanhadas por milhares de fiéis, as paradas militares e as bandas de música. Essas manifestações seriam comparáveis àquelas do sul da Europa, mas resplandeciam na moldura da magnífica natureza dos trópicos. Bates dá especial atenção às peculiaridades relativas à organização das festas: à eleição do juiz, a quem cabia cuidar do retrato do santo, das bandeiras e das coroas de prata; à formação de bandos peditórios para as contribuições necessárias para a compra de velas, fogos, para a música e as comidas. Cada festa incluia uma novena; em cidades menores realizavam-se bailes de dois em dois ou de três em três dias, durante a novena, e uma ceia na última noite. Para Bates, a religião do paraense seria mais um divertimento do que uma atividade séria. Os indígenas tinham um padroeiro próprio, São Tomé, cuja festa festejavam segundo a maneira ortodoxa, com todas as formalidades. Eram da opinião que os divertimentos seriam tão necessários como as festas religiosas. Assim, organizavam mascaradas com todo o brilho indígena, com representações de animais selvagens ou figuras fabulosas, tais como o caapora. No dia de São Tomé, todos aqueles que empregavam índios sabiam que eles se embriagavam. O governo do Pará contribuía para o abrilhantamento das festas, inclusive com a música de banda. Música soava de todas as portas e janelas, e sobretudo os homens de cor dançavam e faziam música após a solenidade religiosa. Mais ou menos às 10 horas tocavam o hino nacional. marcando o término das festividades. A mais magnífica de todas as festividades era a festa de Nossa Senhora de Nazaré, que contava com a participação de bandas de música dos batalhões. Ponto alto do ano religioso eram as solenidades da quaresma e da Semana Santa, sobretudo a procissão de Sexta-Feira Santa, marcada pelo som surdo de tambores abafados e pelos suspiros de fiéis perante as imagens do Crucificado.
Observações referentes às relações entre a natureza e a cultura: zoologia simbólica Bates encontrara em vários textos que tinha lido menção do silêncio das florestas brasileiras. Ele também o constatou; os poucos ruídos que se ouvia de pássaros seriam melancólicos e misteriosos, aumentando a atmosfera de isolamento. Esse silêncio era interrompido de quando em quando por gritos repentinos. Os indígenas acreditavam no Curupira, o homem selvagem ou espírito da floresta que produziria esses sons. Para Bates, o homem, na infância do saber, não saberia esclarecer certos fenômenos naturais excepcionais a não ser através de mitos. O Curupira era visto como um ser misterioso, a quem davam atributos incertos, que variavam de localidade a localidade. Às vezes era concebido como uma espécie de orangotango, com longos cabelos desgrenhados, vivendo em cima de árvores. Outra vez surgia com pés aleijados e uma face vermelha brilhante. Ele teria mulher e filhos e aparecia às vezes nas roças para roubar mandioca. Bates encontrou um jovem mameluco que era muito influenciado por tais estórias; protegia-se contra o Curupira através de um anel feito de folha de palmeira fresca pendurado em árvore.
Observações de práticas musicais Durante a viagem naval que realizou na sua visita a Cametá, quando precisou esperar corrente favorável no canal de "Entre-as-Ilhas", um indivíduo denominado João Mendes entoou uma longa canção, acompanhada pelos demais em coro. Algumas das estrofes mencionavam Bates, o qual apenas entendia a palavra "Inglaterra". Percebeu que faziam observações jocosas e se referiam a partidos políticos da época. Registrou um trecho da estrofe que se refere a candidatos dos liberais e dos conservadores.
Ora paná, tana paná, paná taná João Augusto hé bonito e homem pimpão, Mas Pedro hé feio e hum grande ladrão
Coro: Ora paná, etc...
Bates salientou o fato de que os navegadores do Amazonas possuiam muitos cantos com os quais encurtavam o tempo. Os coros consistiam em simples refrão que era cantado até o esgotamento, em geral em uníssono, às vezes com esboços de harmonia. As melodias pareciam-lhe ao mesmo tempo "selvagens e melancólicas", sintonizando com a vida desses homens: surgiam de fato das circunstâncias locais, dos canais com os seus ecos, das florestas escuras e infinitas, das noites solenes, dos cenários, das tempestades das águas turbulentas etc..
Seria difícil saber se esses cantos tinham sido criados pelos indígenas ou introduzidos pelos portugueses, pois os costumes das classes inferiores dos portugueses seriam muito semelhantes aos dos índios. Um dos cantos mais comuns, que Bates achava muito selvagem e atraente, apresentava um refrão caracterizado pela repetição do termo mãe, mãe com prolongamento da última vogal. As estrofes variavam improvisadamente. Cantavam a vida ribeirinha solitária e acontecimentos da viagem, o vento, o modo como deveriam viajar para não adormecerem, etc.. Às vezes decantavam também as estrelas, a lua e as sete estrelas (Pleiade). Sempre, porém, mencionavam a mãe.
A lua está sahindo, Mai, Mai! A lua está sahindo, Mai, Mai! As sete estrellas estão chorando, Mai, Mai!
Observações de expressões populares: mascaradas Bates deu especial atenção às festas populares como expressões culturais dos diferentes grupos étnico-sociais e como reveladoras de mecanismos de sua interação e desenvolvimento. Particularmente expressivos e instigantes pareceu-lhes o gosto pelo uso de máscaras, tanto nos grupos indígenas como nas festividades da população branca, africana ou mestiça. Bates teve a ocasião de constatar sobretudo em Santarém a popularidade das mascaradas por ocasião das festas religiosas, sobretudo pelo carnaval, na semana da Páscoa (oitava) e na véspera de São João. Salientou que esses festejos agradavam a todos, a brancos negros e índios. Com essa observação, Bates documenta a permanência e a força de folguedos da lúdica católica de antiga proveniência, baseados na visualização grotesca do homem velho, superado, com todas as suas fraquezas morais, espirituais e físicas, representadas pelas máscaras e por meio de gestos, de danças e cantos. Nesses núcleos urbanos de antiga origem das margens do Amazonas, esses folguedos grotescos e hilariantes pertenciam à tradição da comunidade de identificação cristã. Mesmo sem elucidações explícitas, mesmo sem a compreensão racional das concepções teológicas concernentes ao homem e à sociedade a elas intrínsecas, o indígena, assim como o branco e o africano, assimilava o ridículo das imagens do homem carnal por ele mesmo personalizadas nas figuras mascaradas, internalizando, através dos divertimentos, valores éticos e espirituais fundamentais para a sociedade cristã. Assim como os demais observadores europeus provenientes de ambiente cultural não-católico, Bates não podia compreender esse mecanismo sutil de manutenção de estruturas da comunidade cristã através do divertimento e da influência subliminar no sub-consciente do povo. Percebeu, porém, que dentre os diversos tipos de divertimentos havia uma diferença no concernente à participação étnica. As mascaradas de carnaval, do período pascal e do São João eram gerais, integrando elementos de todas as parcelas da população. Havia, porém, em determinadas épocas do ano, festejos que eram próprios de grupos de procedência africana e outros que eram próprios de indígenas.
Observações de expressões culturais de africanos
Bates documenta que os negros realizavam, pelo Natal, um cortejo semi-dramático pelas ruas da cidade, nos quais os principais papéis eram desempenhados por rapazes fantasiados de homens e mulheres, com máscaras feitas de gaze branco. Iam de casa em casa, com danças, e, após apresentarem-se, recebiam doces e "cerveja branca inglêsa" dos visitados. Esse registro de Bates documenta, assim, prática conhecida do populário católico europeu do período das doze noites entre Natal e Reis, ou seja, a perambulação de grupos pelas casas, com folias, com a finalidade de angariar donativos para as festas. Tudo indica que o cortejo observado por Bates pertencia ao tipo das representações de reis e cortes, próprios dessa época do ano e cuja simbólica deve ser compreendida a partir do sentido da viagem dos magos ou reis do Oriente. O fato desses folguedos serem praticados por africanos e seus descendentes é perfeitamente compreensível. Por ser um dos Três Reis Magos representado como mouro ou negro, o simbolismo das raças, de fundamentação bíblica, foi particularmente relevante na catequese do africano. O mais importante, porém, é que a própria teologia dos Três Reis Magos ofereceu bases para o trabalho missionário, tendo sido de particular significado na fase inicial da cristianização de africanos. Que esses festejos não eram originais da África, mas sim da cultura popular cristã medieval, isso prova o fato de Bates ter salientado o fato do uso de máscaras brancas. Essas máscaras simbolizavam que tais festejos eram realizados por cristãos, homens novos, batizados, que apenas representavam o grotesco da humanidade carnal e que, após o período preparatório do Advento, já se tinham purificado.
Observações de expressões culturais indígenas em Santarém: o Turé Se esse registro de Bates vem apenas de encontro a outros documentos provenientes de outras regiões do Brasil, a sua menção às mascaradas realizadas por índios em Santarém é singular e assume extraordinária relevância para os estudos culturais. O pesquisador salientou, ele próprio, o quanto apreciou o fato de ter presenciado tais festejos. Uma vez ao ano era a vez dos índios de se apresentarem na cidade com as suas danças e representações com máscaras. Eles vinham à tardinha de diferentes partes da região fora da cidade e andavam com tochas pelas ruas. Iam até o bairro onde os brancos moravam e representavam danças de caça e de diabo perante as casas dos habitantes socialmente mais elevados. Nos cortejos tomavam parte mais de 100 homens, mulheres e crianças. Os homens traziam magníficas coroas, camisas e cintos de penas, feitos pelos Mundurucús, e que estes usavam em ocasiões festivas, as mulheres apareciam com seios à mostra e as crianças totalmente nuas. Todos vinham pintados de vermelho. O dançarino à frente desempenhava o papel de um tuxaua ou cacique, e segurava um cetro enfeitado com penas de tucano e papagaio em cores laranja, vermelha e verde. O pajé fumava um grande charuto de tauari com o qual realizava as suas ações. Outros produziam com o turé sons que Bates considerou como sendo rudes e desagradáveis. O turé é descrito como sendo uma espécie de trompete, construído com um tubo de bambu comprido e grosso, com bocal feito de um tubo fendado. Nas suas palavras, esse instrumento era o trompete de guerra utilizado por certas tribos indígenas, com os quais os vigias das "hordes ladras", sentados em árvores altas, davam o sinal de ataque a seus companheiros. Aqueles brasileiros com bastante idade para se recordarem da época das lutas entre índios e colonos tinham um verdadeiro horror do turé, uma vez que, quando o seu som rude e alto era ouvido no silêncio da noite, sabia-se que haveria um ataque dos "sangüinolentos Muras". Os outros homens que participavam dos cortejos tranziam arco e flecha, um maço, clavas e remos. As crianças maiores arrastavam os seus animais de estimação, alguns traziam tartarugas às cabeças; as mulheres carregavam os bebês em ataduras ou cestas, presas com um cinto à testa. O todo dava uma imagem da vida indígena e denotava a existência "de mais espírito" no homem vermelho do que se poderia esperar. Os índios organizavam o festejo de moto próprio, sem outro intento do que o de proporcionar prazer às pessoas da cidade. Esse registro de Bates coloca questões relativas à interpretação adequada desse procedimento dos indígenas e do simbolismo do ato. Evidentemente, tratava-se de uma ação de índios já catequizados, bastante integrados, moradores nas circunvizinhanças do núcleo urbano. Já dependentes, necessitavam de apoio material do branco, da sua simpatia e de serviços remunerados. Por essa razão, visitavam sobretudo as casas das famílias mais influentes e abastadas. Se, em outras regiões do Brasil, os índios vinham às cidades como mendigos, esmolantes, à procura de possibilidades de trabalho como caçadores de escravos ou de índios arredios, como intérpretes e até mesmo como cantores e músicos de igreja, como no caso dos Guaranís, esses índios amazônicos transformavam a própria cultura e modo tradicional de vida em espetáculo para conquistar a boa vontade dos habitantes da cidade. Certamente, porém, representavam índios ainda não-integrados, arredios, ou aqueles de má fama na região, tais como os Mura. Digno de atenção é o emprêgo, nessas representações, do instrumento que tinha sido no passado associado com os temidos ataques de índios. De instrumento que dava sinal de guerra passou, assim, a ser instrumento que lembrava que esses tempos tinham passado, que os inimigos tinham sido vencidos e que reinava a paz. O turé, portanto, passou a ser instrumento com significação transmutada, símbolo de toda a manifestação de alegria, do espetáculo de representação da vida superada por índios integrados. (...)
Observações de expressões culturais de Tefé De particular interesse são os dados que Bates transmite da sua estadia em Tefé (Ega), uma vez que essa localidade do Solimões representava uma caleidoscópio de etnias e culturas. Muitos dos indígenas que encontrou nessa cidade, inclusive aqueles que serviam como serviçais, procediam das margens de rios da região, sobretudo do Japurá, do Içá e do Solimões. Bates registrou membros de nada menos que 16 tribos, os quais tinham sido comprados por tuxauas ainda quando crianças de outras tribos e negociados depois com habitantes de Tefé. Esse tipo de comércio escravo, embora proibido pelas leis brasileiras, era tolerado, pois de outra forma não haveria empregados e trabalhadores. Mais tarde, quando adultos, eram libertos, mas já estavam tão acostumados com a vida urbana que já não mais queriam voltar para a mata. Os meninos índios, porém, muitas vezes fugiam de seus patrões em canoas dos comerciantes e as meninas eram freqüentemente mal-tratadas pelas mulheres brasileiras, as quais Bates considerava como ciumentas e mal-educadas. Assim, quase todas as inimizades existentes entre os habitantes de Ega e de outras povoações originavam-se de problemas com serviçais indígenas. Constatava-se elevada taxa de mortalidade entre as crianças capturadas após a sua chegada na cidade e os indígenas do Japurá e afluentes ficavam freqüentemente doentes quanto desciam ao Solimões. Nos divertimentos da comunidade predominava o elemento indígena. Todos os feriados religiosos católicos eram festejados com muita alegria e concurso de muita gente e, na expressão de Bates, os divertimentos indígenas rústicos misturavam-se com os costumes trazidos pelos portugueses. Os índios celebravam concomitantemente as suas próprias festas, nas quais se congregavam indígenas de diferentes tribos. Isso era possível, pois, para Bates, os seus divertimentos eram, em princípio, os mesmos em todas as tribos. Um dia de festa indígena era marcado por fogos, cortejos e mascaradas, estas caracterizadas pela imitação de diferentes tipos de animais, com toques de tambores e de instrumentos de sôpro. Constituiam-se por danças executadas por horas a fio, e, o que era o mais importante, muito consumo de bebida, até a total embriaguez dos participantes. Bates salienta que índio a tudo emprestava um significado quase que supersticioso. Considerava como parte integrante da religião os divertimentos nos dias religiosos católicos, introduzidos pelos portugueses e seus descendentes. Nesse sentido, os brancos analfabetos e os mulatos não se mostravam nada mais esclarecidos do que os indígenas. Todos consideravam um feriado religioso como dia de festa e diversões, no qual o sacerdote desempenhava o papel de um diretor ou ator principal. Além dos dias santificados, todo e qualquer acontecimento dava ensejo para festas: enterros, batismos, casamentos, chegadas de estrangeiros, etc. Também mantinha-se ainda o costume da guarda de defuntos, o que Bates teve a oportunidade de observar logo após a sua chegada. Em geral, devido às condições climáticas, a vida social e festiva ocorria sobretudo à noite, em geral fresca e agradável. Como Bates salienta, os habitantes de Ega transformavam as noites em dias. A grande festividade local era a festa da padroeira, Santa Teresa. Como na maioria das festas religiosas, a de Santa Teresa incluia uma novena preparatória. Começava em silêncio, com vésperas e luminárias. Na cidade silenciosa, ecoavam os responsórios das ladainhas, cantados por centenas de vozes femininas, o que impressionava e comovia o observador. Após os atos de devoção e culto, tinham lugar as brincadeiras. Os festeiros mantinham as casas abertas e toda a comunidade tomava parte na alegria geral, nas danças, na música de tambores e de viola de arame. A participação indígena era mais intensa nos divertimentos da festa de São João e de outras que caíam no mesmo período do ano. Alguns dos divertimentos demonstravam claramente uma origem portuguesa, outros porém, pareciam ser indígenas na sua essência. Como Bates salienta, muitas das características desses festejos, inclusive musicais, tais como a tendência ao canto em recitação, eram comuns em ambas as culturas. Isso valia também e sobretudo para as fantasias e representações de figuras grotescas, de animais ou de seres humanos. Assim, não apenas representavam gigantes, dois ou três, com pernas-de-pau, de acordo com a tradição européia, mas também, entre eles, a figura da Caiapora, um espírito da floresta, personagem que parecia ser comum a todos os povos Tupi. Na tradição de Ega, essa figura surgia como sendo um monstro gordo, disforme, de pele vermelha e cabelo longo e desgrenhado, caindo pelas costas. Segundo as lendas locais, possuía campos, florestas e áreas de caça subterrâneas, cheios de pacas e outros animais selvagens. Essa figura grotesca não era nem venerada, nem despertava temor, apenas nas crianças. Era vista como uma espécie de espectro. A maioria das pessoas, porém, fantasiava-se de animais, construídos com armações leves cobertas com panos pintados: bois, veados, aves, magoarís, onças, etc. Bates impressionou-se com a habilidade com que os animais eram imitados. Assim, um homem, cômico, transformara uma vela usada de barco em tapir, andando de quatro e imitando o animal às portas das casas mais distintas da localidade; outro, imitava o andar e os gestos de um jabiru, em estrutura que atingia quatro pés de altura. Até o próprio Bates foi alvo de representação jocosa: um menino índio pedira-lhe emprestado roupas e utensílios e o imitava como entomólogo, com rêde de insetos, mala de caça e óculos. A figura da onça dava pulos em frente de casas onde viviam crianças, sendo estas fantasiadas de veados, cabras e outros animais. Os mascarados andavam em geral em grupo, de casa em casa, sendo as ações dirigidas por um músico velho, que dava ordens aos participantes e explicações aos espectadores numa espécie de recitativo, acompanhando-se com uma viola com cordas de arame. Os cortejos ocorriam à tarde e duravam de cinco a seis horas. Nas ruas cobertas de grama acendiam-se fogos e as famílias sentavam-se às portas das casas, apreciando os divertimentos. Bates explicava essa mescla de costumes portuguêses e indígenas pelo analfabetismo dos imigrados para essas regiões. Em lugar de introduzirem a civilização européia, seriam eles próprios que tenderiam a descer ao mesmo nível cultural dos indígenas, assimilando os seus hábitos. Bates não compreendeu, assim, o sentido real dessas festividades, baseadas claramente no populário católico de fundamentação mais antiga, baseado em representações tipológicas do homem carnal e animalesco.
Observações da cultura Ticuna - o Jurupari
Manifestações de cunho mais propriamente indígena pôde ele observar entre os Ticunas, em São Paulo de Olivença.O pesquisador constatou que os Ticunas pertenciam a uma povo que, tanto fisicamente como nos seus costumes, apresentava grande semelhança com os Schumanas, Passés, Juris e Maués. Seriam, porém, mais preguiçosos e desleixados, não tão guerreiros como os Mundurucús, nem tão esbeltos e nobres como os Passés, para Bates os mais favorecidos de todas as tribos. Bates salienta que, entre os Ticunas, as danças semi-religiosas eram praticadas com mais intensidade e com maiores excessos, com grande consumo de bebidas fermentadas, fato generalizado nas tribos indígenas do Amazonas. O Juruparí, ou demônio, seria o único ser mais elevado que concebiam e o seu nome surgia em todas as cerimônias; seria porém difícil conseguir informações a seu respeito. Pelo que tudo indicava, consideravam-no como um diabo invejoso, culpado de todos os acidentes quotidianos. Seria impossível conseguir dos Ticunas maiores informações a seu respeito; mantinham tudo em mistério e só davam respostas evasivas e confusas; claro era, porém, para Bates, que não possuiam noção de um espírito superior, de um Deus benéfico e criador. As suas cerimônias e mascaradas seriam sempre as mesmas, fossem elas realizadas por ocasião de um casamento ou para a festa das frutas, para as cerimônias durante as quais arrancavam os cabelos da cabeça de suas crianças, ou por mero divertimento. Alguns se cobriam com penas coloridas de papagaios e peles de macacos. O tuxaua trazia um cocar de penas de peito de tucano. Os cintos nos braços e nas pernas eram também enfeitados com penas. Outros traziam máscaras, um longo manto que chegava até aos joelhos, feitos da casca interior de árvores; às vezes, apresentavam uma cabeça grotesca que imitava a parte superior de macacos ou a cabeça de outro animais, para o que empregavam também a pele do animal esticada sobre uma armação. A máscara mais disforme era sempre a do Jurupari. Nesses cortejos festivos, os Ticunas dançavam danças uniformes, caracterizadas por um balançar regular do corpo e pelo bater de pés, acompanhadas por canto e batidas. Esses divertimentos duravam três ou quatro dias, sem interrupção. Consumiam nessas ocasiões grandes quantidades de bebida, fumavam tabaco e aspiravam pó de Paricá. Bates não chegou a saber se essas danças de máscaras tinham um significado simbólico ou se serviam para comemorar algum acontecimento histórico da tribo. Algumas apenas procurariam influenciar favoravelmente ao Juruparí; a máscara, porém, que representava o demônio, embebedava-se como as outras e não era tratada de forma alguma com respeito.
Quase todos os acontecimentos mais alegres davam ensejo a uma festa: sobretudo os casamentos. Um jovem que queria casar-se com uma Ticuna, pedia a sua mão para os pais, e estes tudo organizavam para a cerimônia. Um casamento na semana do Natal, celebrado durante a estadia do pesquisador em São Paulo de Olivença, durou 3 ou 4 dias sem interrupção. A alegria era maior à noite. Durante esse tempo, a noiva, com os seus enfeites de penas, ficava sob a guarda das mulheres mais velhas; noivo mantinha-se à distância. Era um período triste de danças e bebidas.
Bates salienta no seu texto que os Ticunas, assim como os Colinas e Maués, tinham o costume peculiar de tratar as suas meninas na puberdade "como se tivessem cometido algum crime". Elas eram encerradas em uma cabana de teto esfumaçado e sujo e permaneciam lá todo um mês, com pouca comida. Tomou conhecimento de que uma chegara a falecer.
Concepções De todas essas observações, Bates chegou à conclusão que os índios não teriam consciência histórica, nada sabendo de época mais remota àquela de seus pais ou avós. Bates tinha a convição de que o hemisfério norte somente se sobrepunha às regiões tropicais do ponto de vista social. Embora a humanidade, na luta contra a natureza, alcançara um estado de maior progresso nas latitudes acima da linha equatorial, a raça perfeita do futuro só chegaria a apreciar perfeitamente a bela herança do homem, a terra, na região abaixo do Equador.
"Finalmente, no dia 2 de junho de 1859, deixei o Pará, provavelmente para nunca mais o ver, a bordo do navio comercial norte-americano "Frederik Demming, que ia para Nova Iorque, uma vez que o caminho pelos Estados Unidos é o mais rápido e o mais agradável para chegar à Inglaterra. (...) Na noite do 3 de junho vi pela última vez a magnífica floresta, pela qual tinha tanto amor, e a cuja pesquisa dediquei tantos anos. (...) eu senti, que o último laço tinha-se cortado, que me unia ao país que tinha aprendido a tanto amar. Os habitantes do Pará, que são bem conscientes dos encantos da sua terra, possuem um moto: "Quem vai para o Pará para" quem vai ao Pará, fica , e eu mesmo julguei freqüentemente, que estaria na lista daqueles que nunca se separariam. O desejo, porém, de rever os meus pais e transitar novamente numa sociedade culta foi mais forte do que os encantos de uma região à qual se poderia bem chamar de paraíso dos estudiosos da natureza". B. Brandt (ec.), op.cit. 280.
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